Fui pai e estou infeliz, porquê? Depressão pós-parto também afeta homens

E quando entre marido e mulher se mete a chegada de um bebé? A depressão pós-parto afeta cerca de 10% dos homens. A propósito do Dia do Pai, que se assinala este domingo, 19 de março, falámos com a psicóloga Carmen Silva, especialista parceira das Conversas com Barriguinhas.

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Ana Rita Rebelo
19/03/2023 08:04 ‧ 19/03/2023 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Entrevista

A maternidade é uma das fases mais desafiantes na vida de uma mulher. Mas e eles? Deixados para terceiro plano e esquecidos pela família, médicos e sociedade em geral. É desta forma que muitos pais se sentem durante a gestação e o pós-parto.

Os números comprovam: a depressão pós-parto afeta cerca de 10% dos homens. Os sintomas são tanto psicológicos como físicos. Se não forem tratados, podem gerar um sentimento de desconexão do homem em relação ao bebé e pôr em causa o próprio relacionamento conjugal. 

As mudanças não devem ser ignoradas. "Procurar ajuda é imperativo", sublinha a psicóloga Carmen Silva, especialista parceira das Conversas com Barriguinhas, ao Lifestyle ao Minuto. Defende também que "a depressão perinatal paterna devia ser considerada um problema de saúde pública (...) para que mais facilmente se possam reconhecer as causas e os sinais, com o objetivo da prevenção e detecção precoce".

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Os homens podem ter depressão durante a gravidez e o pós-parto?

Sim, podem! A depressão perinatal paterna não tem uma definição consensual, nem é reconhecida formalmente como uma psicopatologia. Por isso é que se recorre à definição da depressão perinatal materna para a definir, mas não deixa de existir, e muitas vezes está muito camuflada.

Qual a percentagem de homens afetados a nível mundial? E em Portugal, o que revelam os números conhecidos?

A depressão perinatal paterna tende a desenvolver-se de forma mais gradual em comparação com a materna, sendo o período crítico para o seu surgimento situado entre os três e os seis meses após o parto, com uma prevalência de 10,4% dos homens. Os estudos revelam ainda que há uma maior probabilidade de depressão entre os três e 12 meses pós-parto nos homens, nos casos em que as parceiras se encontrem deprimidas durante a gravidez ou nos três primeiros meses pós-parto.

Esta normalização dos sintomas desencoraja os pais a falarem sobre o que sentem e o que está a ser difícil, o que faz com que a ajuda não chegue de forma adequada

Quais as causas?

Ainda que não existam critérios específicos para a depressão perinatal paterna, os principais fatores de risco são a depressão perinatal da mãe, a história de doença mental ao longo da vida e desequilíbrio na relação conjugal. Mas há outros a considerar, como a mudança na dinâmica da relação familiar e do estilo de vida, a frustração das expectativas em torno da nova figura de pai idealizado como envolvido e participativo, os sentimentos de exclusão do vínculo mãe-filho, a falta de modelos de parentalidade e de redes de apoio na vida daquele pai, o aumento dos encargos financeiros, o stress psicológico presente durante a gravidez ou psicopatologia prévia. 

E os sintomas? 

Pais deprimidos tendem a exibir os mesmos sintomas que uma mãe deprimida: tristeza persistente, perda de interesse mas atividades que antes eram prazerosas, alterações do sono e apetite, agitação ou lentificação nos movimentos do corpo, falta de energia, sentimentos de culpa ou inutilidade, dificuldades na concentração ou tomada de decisão e em casos mais graves, ideação ou tentativa suicida ou infanticídio. Adicionalmente, os homens com depressão perinatal têm outras características acentuadas. É possível observar um aumento da impulsividade, irritabilidade, agressividade e consumo de álcool e drogas.

Esta situação é negligenciada na nossa sociedade? 

Acredito que sim e por duas razões: a falta de informação em relação ao assunto, pela população em geral e até por profissionais de saúde, e pelo preconceito que há em relação ao homem e à procura de ajuda para a saúde mental. Há imensos problemas na vida dos pais que acabam por ser mal interpretados, o que conduz à dificuldade em diagnosticar corretamente. Por exemplo: a irritabilidade do pai - que pode ser um sintoma de depressão pós-parto - pode ser justificada com o choro excessivo do bebé, ou se o pai se sente excluído da relação mãe/bebé. Da mesma forma, o maior tempo dedicado ao trabalho pode ser entendido como uma necessidade de manter o seu papel como 'ganha-pão', como às vezes ainda é atribuído na sociedade, em vez de um comportamento de evitamento que também é comum na depressão. E para dificultar ainda mais a procura de ajuda qualificada, há imensos sintomas de depressão que podem ser facilmente confundíveis com queixas 'normais' durante os primeiros meses pós-parto: o cansaço, as alterações no sono e na alimentação, ou a irritabilidade. Esta normalização dos sintomas desencoraja os pais a falarem sobre o que sentem e o que está a ser difícil, o que faz com que a ajuda não chegue de forma adequada. 

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À medida que a visibilidade do papel ativo e participativo do pai durante a gravidez e pós-parto aumenta, considera que o apoio prestado aos homens cresce também? 

Quero acreditar que sim. Já há cursos de preparação para o parto com a participação de psicólogos na área perinatal, e com técnicos com formação na área, que informam os pais de sinais de alerta que podem surgir, e o que devem fazer caso tal aconteça. E à medida que os pais também vão participando mais nas consultas pré e pós-natal, e especialmente se o profissional de saúde estiver bem informado, é possível detetar os sinais precocemente, e prevenir o avanço da doença. Ainda assim, os procedimentos rotinados para avaliar a saúde e bem-estar dos pais ficam muito aquém daquilo que seria o desejável. 

Quando o bem-estar do pai fica para terceiro plano, quais as consequências para o homem?

Alguns dos efeitos sentidos pelo homem estão na satisfação com a relação  e no sentimento de proximidade e interesse sexual que tendem a diminuir ao longo do tempo. O tempo e atenção que o recém-nascido exige refletem-se em menor disponibilidade do casal se focar na sua própria relação, o que também pode potenciar esta tensão no ambiente familiar.

O que pode o homem fazer?

Procurar ajuda é imperativo! Atendendo a que o contacto é mais intensivo com os profissionais de saúde no período de gravidez e dos primeiros anos de vida da criança, estes podem ser momentos privilegiados para a prevenção, intervenção e promoção de cuidados de saúde, a mental também! A ajuda psicológica, médica e da rede de suporte (família e amigos) são peças fundamentais para gerir sintomas depressivos. 

A depressão em si mesma, independentemente da pessoa que afeta, é uma patologia ainda hoje longe de ser socialmente encarada como uma outra doença qualquer. Muitas vezes ela não é apenas desvalorizada, como se culpabilizam os seus portadores por sofrerem de depressão

Quando devem os homens procurar ajuda especializada? 

Quando os sintomas são persistentes e causam mal-estar significativo na vida da pessoa, está na altura de pedir ajuda. Não é preciso haver um diagnóstico para se ser acompanhado. A intervenção psicológica individual, a participação em grupos de apoio de pais para partilha de experiências, e até uma intervenção ao nível do casal oferecem bons prognósticos na gestão da sintomatologia. Mas deve haver uma avaliação médica e a intervenção deve ser multidisciplinar. Os estudos mostram-nos que o acompanhamento específico dos pais durante seis semanas após o nascimento da criança (materiais sobre educação e apoio social, informação sobre as várias etapas do desenvolvimento do bebé, estratégias de redução de stress e sintomas de depressão pós-natal), diminui a sua ansiedade, preparando-os para a recepção e integração do novo membro da família.

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Estas situações têm alguma ligação com a síndrome de couvade?

Podem ter. A síndrome de couvade compreende a depressão no seu conjunto de sintomas, assim como outros sintomas que são coincidentes com os da depressão: alterações no sono e no apetite, cansaço, irritabilidade, agitação, diminuição da libido e menor capacidade de concentração. Além disso, também há estudos que nos mostram que o stress, a ansiedade e a depressão aumentam a probabilidade de desenvolver esta síndrome, quase como se fosse causa e efeito.

Que mitos importa desmistificar?

A depressão em si mesma, independentemente da pessoa que afeta, é uma patologia ainda hoje longe de ser socialmente encarada como uma outra doença qualquer. Muitas vezes ela não é apenas desvalorizada, como se culpabilizam os seus portadores por sofrerem de depressão. Este cenário que já não é bom, agrava-se quando a depressão se observa em indivíduos que acabaram de ser mães ou pais, porque ainda se pensa que este momento deve ser o mais feliz, sereno e bonito da vida dos pais. Quando é vivido com angústia e tristeza, surge então a vergonha e culpa. Mas a verdade é que o período perinatal é um dos momentos mais vulneráveis para o surgimento de doença mental.

A depressão perinatal paterna devia ser considerada um problema de saúde pública, e como tal, reconhecido por profissionais de saúde e pela população geral para que mais facilmente se possam reconhecer as causas e os sinais, com o objetivo da prevenção e detecção precoce. A participação em aulas, cursos e workshops para a preparação dos pais para a parentalidade assim como os incentivos do Estado Social (licenças de parentalidade), estão associadas a uma atitude mais positiva face à parentalidade, mas ainda há muito caminho a percorrer no que toca à saúde mental perinatal.

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