"Ver chefs no mundo inteiro com essa preocupação [da sustentabilidade] é a certeza de que as novas gerações vão incorporar isso e que talvez as próximas gerações não precisem de dizer: 'Eu sou sustentável'", disse à Lusa Alex Atala, chef do D.O.M (São Paulo), que já ficou em quarto lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, da revista Restaurant.
O cozinheiro, que esteve em Lisboa a convite do chef Alexandre Silva, para participar num jantar de celebração do sétimo aniversário do LOCO (uma estrela Michelin), ilustrou: "Ninguém precisa de dizer: 'Eu sou honesto'. Eu preciso provar para você, para os meus clientes, para os meus fornecedores que eu sou honesto? Não. Porque é que eu tenho que provar que sou sustentável? Agora, a honestidade já vem arraigada na nossa educação e cultura de séculos. A sustentabilidade é uma coisa que está entrando agora".
"Eu sonho que, no futuro, os jovens chefes não tenham que dizer que são sustentáveis, é óbvio que eles vão ser sustentáveis", sublinhou.
Considerado um precursor mundial no tema da sustentabilidade na gastronomia, Alex Atala afirmou que esta preocupação é um caminho: "Eu consigo dizer todos os lugares onde eu não sou sustentável. A perfeição não existe, a aproximação da perfeição é um compromisso que se leva a cada dia. Então, hoje, muito mais do que falar, 'eu sou sustentável', eu prefiro falar, 'eu não sou sustentável, estou melhorando'".
O cozinheiro sustenta que o exemplo é importante e que o mundo "precisa de pessoas que inspirem", principalmente "numa época da internet, onde tudo é muito frívolo, tudo muito instantâneo".
"O primeiro compromisso de um cozinheiro é fazer delícias, e ele não deve abrir mão disso nunca. A partir do momento que ele faça delícias, talvez ele tenha reconhecimento. E se ele tiver reconhecimento e conseguir usar a voz dele em favor disso, está ótimo", defendeu o chef, que já foi considerado uma das 100 personalidades mais influentes do mundo pela revista norte-americana Time.
A sustentabilidade reflete-se nas "boas práticas na cozinha, seja no tratamento do ingrediente ou da sua equipa ou dos seus fornecedores", referiu.
Alex Atala criou, no Brasil, o Instituto Atá, que trabalha como um "estruturador de cadeia", com o intuito de "agir em toda a cadeia de valor" e "fortalecer os territórios a partir da sua biodiversidade, agrodiversidade e sóciodiversidade".
"Nós acreditamos que temos que reconectar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir, o produzir da natureza. Isto é uma cadeia do alimento e ela é fracionada, principalmente dentro do Brasil", explicou.
O instituto trabalha na criação de cadeias para ingredientes que Alex Atala identifica como tendo "potencial", principalmente "produtos não perecíveis e com um alto valor agregado".
São exemplos desses produtos a pimenta baniwa jiquitaia, uma pimenta com sal produzida pelas mulheres baniwa, que "faz parte da defesa a cultura feminina do roçado, um sistema agrícola indígena do Rio Negro", os cogumelos colhidos pela etnia yanomami, o mel de abelhas nativas, a baunilha do Cerrado, ou a formiga saúva da Amazónia -- que compõe um prato icónico servido no D.O.M.
Alexandre Silva, que está a realizar sete jantares com chefs diferentes para assinalar o sétimo aniversário do LOCO, justificou o convite ao cozinheiro brasileiro: "O Alex Atala é uma referência em termos mundiais, com um percurso único, que faz despertar consciências. Estes são valores que defendo, que me definem enquanto pessoa e enquanto chef. Recebê-lo no LOCO é uma inspiração e um momento de partilha entre equipas e formas de olhar para o nosso trabalho dentro e fora da cozinha".
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