Entre 10 e 14 de outubro, o Museu do Carro Eléctrico do Porto, acolheu múltiplos desfiles de marcas e designers consagrados e emergentes. Foi a 53.ª edição do Portugal Fashion e, além de celebrar o talento nacional, ofereceu algum destaque a criadores de diferentes países do continente africano.
Foi, no entanto, uma edição associada a alguns desafios para a organização graças aos atrasos no financiamento e "a transição de quadros comunitários [que] tem dificultado um pouco a operação, implicando um esforço financeiro maior nesta fase", explica Mónica Neto, a diretora do evento, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.
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Além disto, o evento ficou marcado pela ausência de nomes muito conhecidos, como Alves/Gonçalves, Marques'Almeida - ambos decidiram "concentrar esforços noutros desafios" - mas confirma Mónica Neto que continuam "articulados". A responsável fala ainda sobre o anúncio de Diogo Miranda, que deixou o mundo da moda em junho, bem como sobre os obstáculos que a moda de autor portuguesa enfrenta.
Trata-se de mais uma edição do Portugal Fashion associada a alguns desafios. Que tipo de obstáculos atravessa o evento neste momento?
O Portugal Fashion vive um momento de grande ambição em termos de evolução estratégica e consolidação de um posicionamento de plataforma global. No entanto, a transição de quadros comunitários tem dificultado um pouco a operação, implicando um esforço financeiro maior nesta fase.
Mónica Neto© Portugal Fashion / Dulce Daniel
Que tipo de soluções estão a implementar?
Os nossos parceiros estratégicos, como Câmara Municipal do Porto e Afreximbank, têm sido fundamentais. A Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) tem vindo a trabalhar junto dos diversos organismos que historicamente têm apoiado a evolução do projeto, no desenho de uma nova estratégia que permita a sustentabilidade financeira do nosso plano de ação nacional e internacional. Acreditamos também que será possível uma articulação de novas soluções com o Governo.
Portugal é um país pequeno, a internacionalização é um desafio complexo para os negócios da moda de autor, e o sucesso, por mais mérito que haja, e sempre houve com o Diogo, acaba sempre por ser complicado e, de certa forma, limitado quando comparado com a ambição e o potencial destes nossos talentos
Além disso, nesta edição, sentem-se algumas ausências no calendário. É o caso de Alves/Gonçalves e Marques'Almeida. O que aconteceu? É possível que no futuro regressem ao evento?
Claro que sim. O Portugal Fashion é um projeto que possibilita a apresentação regular das coleções dos designers nacionais, assumindo-se cada vez mais como uma plataforma que representa a título permanente um conjunto de designers e marcas, tentando sempre que as estratégias individuais de cada uma se integrem num plano de ação coletiva consolidado, onde em diferentes momentos vão-se articulando opções de apresentação. A decisão destes designers para esta estação foi concentrar esforços noutros desafios, mas estamos articulados. Marques’Almeida é neste momento uma marca verdadeiramente global, que acaba de se instalar num novo atelier na cidade do Porto, o que diz muito do alinhamento com a visão que temos para o Portugal Fashion.
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É importante mencionar outro nome icónico da moda portuguesa que não marca presença nesta edição: Diogo Miranda. Como receberam esta notícia?
O Diogo é um exemplo de um designer cuja marca foi criada de raiz no âmbito do Portugal Fashion - um programa de identificação e apoio de novos designers, ainda prévio ao BLOOM. Foi crescendo com apostas integradas na área das vendas, dos showrooms internacionais, com desfiles fora do país, showroom e PR, um atelier próprio e uma carteira de clientes sólida num processo consistente de identificação do seu 'target'. Construiu 'brand awereness' e criou momentos únicos em desfile, que sempre pensou ao detalhe.
É um designer que se tornou também num empreendedor perspicaz e esta decisão é prova disso mesmo. É sempre uma perda grande quando um designer decide acabar com a sua marca. Portugal é um país pequeno, a internacionalização é um desafio complexo para os negócios da moda de autor, e o sucesso, por mais mérito que haja, e sempre houve com o Diogo, acaba sempre por ser complicado e, de certa forma, limitado quando comparado com a ambição e o potencial destes nossos talentos. A constante intermitência dos apoios existentes em Portugal nesta área também não permite que o acompanhamento seja continuo e, dessa forma, torna-se pouco eficaz. O Diogo sempre foi um mestre em vestir mulheres. Tornava-as ainda mais bonitas e poderosas, evocando sempre o lado romântico e belo da vida. É uma perda enorme para a moda nacional. Mas acredito que o talento do Diogo Miranda deixará ainda marca noutros desafios futuros.
Estamos com o roteiro de desfiles internacionais em pausa, o que naturalmente tem sido um desafio acrescido para os designers que vinham conquistando notoriedade, 'networking' e, sobretudo, pontos de venda no estrangeiro
Estamos a atravessar um período difícil para a moda de autor portuguesa no geral?
Há neste momento desafios de contexto que são transversais a todas as atividades económicas. No caso da moda de autor, e por se tratarem de negócios criativos, alguns deles ainda em processos de crescimento e internacionalização, a retração do consumo tem sempre implicações. De igual modo a instabilidade nos apoios que o Portugal Fashion tem vivido também acaba por ter consequências na atividade destas marcas. Estamos com o roteiro de desfiles internacionais em pausa, o que naturalmente tem sido um desafio acrescido para os designers que vinham conquistando notoriedade, 'networking' e, sobretudo, pontos de venda no estrangeiro. As presenças comerciais têm continuado, mas perdem força com a ausência de atividades promocionais complementares, como desfiles, apresentações e companhas.
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O que distingue a moda de autor portuguesa das restantes?
O Portugal Fashion trabalha no sentido de representar uma moda portuguesa reconhecida pelo talento criativo e qualidade de confeção. Proximidade com a inovação produtiva, projetos sustentáveis, feitos tendo em conta o 'know-how' português do saber fazer bem e com forte identidade cultural.
Quais são os planos (e as esperanças) para o futuro do Portugal Fashion?
Dar continuidade ao caminho de 28 anos, com um crescente reconhecimento da resiliência e consistência do trabalho desenvolvido.
Que momentos e novidades destaca nesta edição?
É sempre redutor quando se tenta resumir uma edição em momentos. No fundo, o Portugal Fashion funciona como um todo e é isso que faz sentido. Nesta edição voltamos a celebrar o continente africano, com dez designers de oito países de África (incluindo uma marca da Jamaica), em calendário. Realçamos também o BLOOM, a nossa plataforma de jovens criadores, onde depositamos muito daquilo que poderá ser o futuro da moda nacional. Foi um primeiro dia, 11 de outubro, recheado de talento e irreverência. Nos dias 12, 13 e 14, o calendário inclui desfiles de designers emergentes e consagrados, e celebraremos a indústria de calçados e acessórios. Tivemos também uma mostra de moda sustentável, iTechStyle Green Circle by Citeve, e um desfile de joalharia, Gondomar Original Jewellery.
Quais são as coleções mais surpreendentes?
Merece destaque a apresentação do projeto Imagine-a-Bag – uma iniciativa do Vila do Conde Porto Outlet e do Freeport Fashion Outlet, que lançaram um concurso para os jovens designers do BLOOM, tendo em vista o desenvolvimento de um saco multifunções que se adeque a um modo de vida sustentável. O vencedor foi o projeto Área 8, que resulta de um trabalho colaborativo entre designers, nomeadamente os bloomers House of Wildflowers, AHCOR e Maria Carlos Baptista. Este projeto levou à conceção, não de uma, mas de várias versões do saco multifunções, que estarão agora à venda nos centros de Lisboa e Vila do Conde.
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