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"A memória de Pedrógão deu-nos consciência da nossa vulnerabilidade"

A psicóloga Jacinta Gonçalves recomenda, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, uma maior aposta na prevenção para acautelar problemas de saúde mental.

"A memória de Pedrógão deu-nos consciência da nossa vulnerabilidade"
Notícias ao Minuto

20/09/24 12:21 ‧ Há 2 Horas por Ana Rita Rebelo

Lifestyle Entrevista

As recordações dos incêndios em Pedrógão Grande reacenderam-se com os fogos que ainda lavram no país. Sete anos volvidos desde o fatídico dia em que deflagrou, a 17 de junho de 2017, o incêndio que se estendeu aos concelhos de Castanheira de Pêra e de Figueiró dos Vinhos e resultou na morte de 66 pessoas, a psicóloga clínica Jacinta Gonçalves considera que, embora se tenham registado melhorias, "temos de investir mais na prevenção" no que toca às respostas na saúde mental.

 

"A memória de Pedrógão deu-nos consciência da nossa vulnerabilidade e, assim, pode conduzir a mais comportamentos de proteção preventivos, ajudando a que se evite correr riscos", refere a psicóloga em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.

Para Jacinta Gonçalves, "a grande dificuldade nestas situações é que as medidas excecionais não são eternas e, como muitas vezes acontece em situações excecionais como estas, as pessoas acabam por ficar sem ajuda quando os recursos escasseiam e quando se retoma a 'normalidade'.

A especialista lamenta ainda a "falta de profissionais de saúde mental" em Portugal. "A sensação que fica de cada vez que vivemos situações tão duras como estas é que temos de investir mais na prevenção."

É 'normal' que imagens mais exigentes sejam revividas de forma intrusiva e que se tenha pensamentos ruminativos

Notícias ao Minuto © Psicóloga clínica Jacinta Gonçalves

De que forma é que vivenciar uma catástrofe natural, como um incêndio, pode afetar o nosso bem-estar psicológico? 

São raras as pessoas que ficam indiferentes face a uma situação de catástrofe natural, como estes incêndios que estão ativos em Portugal. Quer seja por estar diretamente envolvido, por ter amigos, familiares, amigos ou conhecidos nas zonas afetadas, ou até mesmo ao assistir, à distância, através dos órgãos de comunicação social, o bem-estar psicológico pode ficar afetado. Depois, existem diversos fatores contribuem para o tipo, a intensidade e a duração das reações que cada pessoa manifesta.

Sobre essas reações, há respostas consideradas 'normais' e comuns perante este tipo de acontecimentos?

Sempre que estamos expostos, direta ou indiretamente, a uma situação desta natureza, é sempre esperado que se verifiquem reações agudas intensas.

Pode dar exemplos?

Podem verificar-se reações emocionais como medo intenso, tristeza ou pesar, zanga desespero, angústia, uma sensação de impotência ou até agitação e inquietação. Além disso, é 'normal' que imagens mais exigentes sejam revividas de forma intrusiva e que se tenha pensamentos ruminativos, sinta dificuldades de concentração e em funcionar como habitualmente. Naturalmente, os níveis de ansiedade podem ser muitos elevados, a perceção da própria vulnerabilidade aumenta, e, inevitavelmente podem ocorrer perturbações do sono. Não menos importantes são a fadiga, resultante do esforço físico, das horas não dormidas, mas também consequentes a esta exaustão emocional. Todas estas reações podem resultar numa dificuldade em retomar as rotinas, algo que seria importante, assim que possível.

Há reações e sintomas que são esperados e naturais, devem ser validados e legitimados. Esta aceitação ajuda a normalizar o que se sente, sem patologizar precocemente aquilo que sabemos serem reações ajustadas face ao que está a ser vivido

Há risco de colapso psicológico?

Diria que o risco de um impacto psicológico mais duradouro ou patológico dependerá de vários fatores, nomeadamente as caraterísticas individuais de cada pessoa. A estabilidade emocional prévia à situação pode ser um dos fatores mais preponderantes. Ou seja, se, por exemplo, a pessoa já tem antecedentes de doença mental, isso pode aumentar a probabilidade de ter reações mais intensas e até agravamento de sintomatologia e da sua patologia. Depois, existem outras caraterísticas individuais, como traços de personalidade e estratégias de confronto que habitualmente usamos em situações de stress, que podem ser determinantes para a intensidade das reações. Se tem um perfil mais dependente, menos proativo, com tendência para o isolamento social, pode ser mais vulnerável para desenvolver sintomas mais intensos. Outros fatores que contribuem para a instabilidade psicológica dizem respeito à situação em si, o grau de destruição dos seus bens, quanto está ou esteve exposto à destruição ou ao perigo, qual a dimensão das perdas e toda a perceção de ajuda que recebeu durante e após os momentos mais desesperantes.

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O que se pode fazer para aliviar a dor nestas situações?

A qualidade do apoio familiar, social e comunitário pode fazer a diferença, sendo um dos fatores que a literatura refere como sendo o mais protetor para enfrentar estas situações de crise. Quando é um apoio de qualidade, disponível, empático e que vai ao encontro das necessidades individuais, as reações são menos intensas e mais facilmente a pessoa retoma a sua vida 'normal'. Por fim, mas não menos importante, de salientar a importância das estratégias menos adaptativas para confrontar estas situações, numa tentativa de diminuir ou eliminar sintomas adversos que são sentidos com muita intensidade. Falo, sobretudo, de evitar consumo de álcool ou outras substâncias em excesso ou recorrer à automedicação. Reconhecer todas estas reações, enquadrá-las no contexto de exceção que está a ser vivido, permitir a sua expressão emocional, a ventilação de tudo o que está a sentir e a pensar devem ser incentivadas, de modo a ajudar no processamento emocional de toda a experiência.

Que conselhos deixa a quem está a 'viver' os incêndios na primeira pessoa?

O primeiro passo é aceitar que perante uma situação como esta o 'normal' é não estar bem, física e psicologicamente. Que há reações e sintomas que são esperados e naturais, devem ser validados e legitimados. Esta aceitação ajuda a normalizar o que se sente, sem patologizar precocemente aquilo que sabemos serem reações ajustadas face ao que está a ser vivido. Em segundo lugar, cada um deve olhar para si e tentar entender o que está a sentir, quais as suas necessidades e o que precisa para se sentir melhor. Deve olhar também para os que estão à sua volta, facilitar a expressão das emoções, evitar julgar ou criticar e dar espaço para que cada um encontre um sentido para aquilo que está a viver, fazendo naturalmente o processamento emocional da situação. 

E quando tudo isto não é possível?

Algumas pessoas poderão desenvolver alguma perturbação mental, tal como luto complicado, trauma psicológico, depressão ou perturbação de ansiedade. Assim, nos casos em que os sintomas são muito persistentes, em que há uma grande dificuldade em retomar lentamente as rotinas, proponho uma avaliação médica, ou a procurar um profissional especializado, tal com um psicólogo.

É sabido que Portugal tem uma falta de profissionais de saúde mental

Concorda que se deva dar resposta na área da saúde mental às vítimas destes incêndios, como se fez com as pessoas 'atingidas' pelos fogos de 2017, em Pedrógão Grande?

Neste momento ainda estamos em resposta de crise e emergência. A meu ver, é necessário fazer o levantamento das necessidades da população e só depois definir as medidas de apoio. De nada serve mandar profissionais se não forem bem preparados com a formação adequada, se não forem bem coordenados, se não forem dar resposta às necessidades existentes. Ou seja, o que sugiro é começar por avaliar muito bem o que é preciso levar a estas pessoas e, aí sim, tomar decisões acerca de como agir.

Sete anos depois, persiste o medo de que a tragédia se repita?

Julgo que se pode olhar para esta questão de duas perspetivas. Por um lado, a ativação das memórias pode conduzir a reações muito intensas que se podem tornar incapacitantes. Por outro lado, a memória de Pedrógão deu-nos consciência da nossa vulnerabilidade e, assim, pode conduzir a mais comportamentos de proteção preventivos, ajudando a que se evite correr riscos. Na altura do incêndio de Pedrógão e no rescaldo, a comunidade local e nacional mobilizaram-se para dar resposta às necessidades da população afetada pelo incêndio, no que toca à saúde mental. A grande dificuldade nestas situações é que as medidas excecionais não são eternas e, como muitas vezes acontece em situações excecionais como estas, as pessoas acabam por ficar sem ajuda quando os recursos escasseiam e quando se retoma a 'normalidade'.

Os recursos são insuficientes?

É sabido que Portugal tem uma falta de profissionais de saúde mental, nomeadamente psicólogos, nos serviços de saúde, pelo que localmente as respostas são habitualmente muito insuficientes perante as necessidades. Se no dia a dia já se sente essa falta de recursos na área da saúde mental, nas situações de exceção a dificuldade é ainda maior. A sensação que fica de cada vez que vivemos situações tão duras como estas é que temos de investir mais na prevenção.

Em que sentido?

No sentido lato, mas aqui em particular nas respostas de saúde mental ou até mesmo um investimento em dar formação à comunidade em primeiros socorros psicológicos, para que nestas situações todos se sintam o mais possível apoiados e amparados.

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Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal

SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) -  213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660 

Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159

Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707 

Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535

Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.

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