Já deve ter reparado que o nome Luigi Mangione tem estado nas 'bocas do mundo' e não pelas melhores razões. É o principal suspeito da morte de Brian Thompson, CEO da seguradora de saúde norte-americana UnitedHealthcare, e, ao longo dos últimos dias, tornou-se numa espécie de 'estrela' nas redes sociais.
Mangione, um jovem de 26 anos, enfrenta uma acusação federal passível de pena de morte e na internet, as piadas, os comentários e os 'memes' aumentam a cada dia. Muitas das reações focam-se no crime que aconteceu em plena via pública em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
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Já outras mencionam o aspeto físico do alegado homicida e, aliás, muitos internautas têm vindo a revelar a atração que sentem por Luigi Mangione. É uma reação normal? Estamos a ficar dessensibilizados em relação a acontecimentos violentos? Existe a tendência de romantizar alguns crimes e quem os comete?
Para esclarecer as dúvidas, o Lifestyle ao Minuto fez estas e outras perguntas a Alberto Lopes, neuropsicólogo das Clínicas Dr. Alberto Lopes no Porto, em Aveiro e em Lisboa.
Do ponto de vista psicológico, este humor negro funciona como um mecanismo de defesa: é uma forma de as pessoas lidarem com a ansiedade que a violência provoca
© Alberto Lopes
Hoje em dia, certos acontecimentos como homicídios, causam rapidamente alvoroço nas redes sociais e levam a muitas reações, piadas e memes. São reações 'normais' a um acontecimento como este ou estamos a ficar cada vez mais dessensibilizados para estes atos de violência?
Esta reação de transformar um evento trágico, como o homicídio de Brian Thompson, em piadas e memes pode ser interpretada como uma resposta de dessensibilização crescente à violência potencializada pelo mundo digital.
A constante exposição a notícias violentas nas redes sociais cria um cenário onde o impacto emocional é diminuído, levando à banalização. Do ponto de vista social, também estamos a observar uma cultura de dominância da performance digital e a desumanização do outro.
Banalizar a violência não é saudável nem desejável para uma sociedade empática, mas por mais paradoxal que possa parecer, os memes e as reações rápidas são formas de marcar presença no mundo digital, de participar numa narrativa coletiva, não importa se é boa ou má.
Do ponto de vista psicológico, este humor negro funciona como um mecanismo de defesa: é uma forma de as pessoas lidarem com a ansiedade que a violência provoca.
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Qual seria a reação esperada e considerada 'normal' para acontecimentos como este?
Geralmente, em sociedades com maior exposição a crimes violentos, como, por exemplo, a cultura americana, a apatia ou humor pode ser considerada normal, mas isso não a torna saudável.
O ideal seria uma reação equilibrada, que reconhecesse a gravidade do acontecimento sem o trivializar. Uma reação 'normal' seria de consternação, empatia para com a vítima e família, e uma profunda reflexão sobre as causas e implicações do ato.
Piadas ou memes desviam a atenção do impacto real da violência, desumanizam o ato condenável, e dificultam a construção de um diálogo sério sobre o tema.
A romantização de criminosos pode refletir uma idealização do poder ou uma tentativa inconsciente de lidar com o medo
O que podemos fazer individualmente e como sociedade para lidar melhor com este tipo de coisas?
Enquanto sociedade, precisamos promover uma cultura de empatia e responsabilidade digital. Isso começa na educação, ensinando desde cedo o impacto das nossas ações online e a importância de respeitar a dignidade humana, mesmo num espaço virtual.
Individualmente, é importante consumir informação de forma consciente, refletindo sobre como reagimos e evitando alimentar discursos que banalizam a violência. Por fim, devemos exigir responsabilidade dos media na cobertura de tragédias como esta.
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Também surgiram muitas reações e comentários sobre Luigi Mangione, o homem acusado de matar o diretor executivo O que faz com que as pessoas romantizem este tipo de situações e pessoas? O facto de ser uma pessoa atraente tem algum tipo de impacto?
A romantização de criminosos pode refletir uma idealização do poder ou uma tentativa inconsciente de lidar com o medo.
A aparência física amplifica este fenómeno, devido ao 'efeito halo', onde associamos características positivas a pessoas atraentes, mesmo que as suas ações sejam condenáveis. Acrescentaria que as redes sociais oferecem uma arena para a projeção de angústias pessoais.
Quando vemos a romantização de um criminoso, como Luigi Mangione, especialmente se ele for considerado atraente, entramos no território da idealização narcisica. Atração por criminosos ou 'serial killers' é um fenómeno bem documentado, conhecido como hibristofilia. Muitas vezes, reflete uma tentativa inconsciente de lidar com o medo e o caos projetando segurança ou controle na figura do transgressor. É uma forma de transformar o medo em fascínio.
Quem sente atração por um alegado criminoso deve ficar preocupado? Deve procurar ajuda?
Creio que sim! Quem começa a sentir atração por criminosos deveria refletir sobre as raízes desse sentimento. Muitas vezes, a atração pode indicar mazelas psicológicas na infância ou carências emocionais, assim como uma busca por figuras 'fortes' ou até uma idealização da transgressão como poder.
Procurar ajuda torna-se mais recomendável se a fantasia interferir com a realidade. É importante para entender as razões subjacentes a esses sentimentos e um psicólogo pode ajudar a trabalhar esses aspetos de forma saudável e consciente.
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Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal
SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) - 213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660
Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159
SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545
Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707
Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535
Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
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