Entramos nas relações com tudo, convictos de que o futuro nos reserva o 'felizes para sempre'. Com o passar do tempo, aquilo que nos fez apaixonar torna-se insuportável. As personalidades já são incompatíveis e, afinal, temos formas de ver o mundo totalmente opostas. Naturalmente, a tensão vai escalando até ao dia em que uma 'gota de água' dita um de dois cenários: dar uma nova oportunidade ao amor ou assumir que o relacionamento não tem 'pernas para andar'. A questão que se impõe é: estaremos a 'desistir' com demasiada facilidade?
"Se antes o casamento e os relacionamentos eram vistos como compromissos quase inquebráveis, muitas vezes sustentados por pressão social e familiar, agora há uma maior autonomia individual e menos estigma em torno da separação, o que pode dar a impressão de que as pessoas desistem mais facilmente", explica ao Lifestyle ao Minuto a psicóloga clínica e psicoterapeuta Diana Costa Gomes. A realidade, porém, é outra: "As relações não se desfazem de um dia para o outro. É um processo gradual e existem sinais claros."
A especialista defende que "deve avaliar-se se os problemas têm solução e entender se a insatisfação vem da relação ou de aspetos individuais". "Se, mesmo após estes esforços, a relação continuar a ser fonte de sofrimento, a separação pode ser a melhor escolha", considera.
Queremos relações profundas, mas somos seduzidos pelo efémero
Prevalece a ideia de que, atualmente, desistimos das relações com demasiada facilidade. Porquê?
A perceção de que as relações terminam com mais facilidade hoje em dia deve-se, em parte, a mudanças culturais e sociais. Há também uma maior consciência sobre o que constitui uma relação saudável, levando muitos a saírem de relações que não são satisfatórias ou benéficas. Se antes o casamento e os relacionamentos eram vistos como compromissos quase inquebráveis, muitas vezes sustentados por pressão social e familiar, agora há uma maior autonomia individual e menos estigma em torno da separação, o que pode dar a impressão de que as pessoas desistem mais facilmente.
Essa é a realidade que lhe chega às consultas?
O que constato é que os casais não se separam facilmente, mas de forma gradual, todos os dias um bocadinho e com grande sofrimento envolvido. E há uma contradição: queremos relações profundas, mas somos seduzidos pelo efémero. Vivemos num tempo em que tudo é descartável e substituível. A minha pergunta é: será que nos damos tempo para aprender a amor de forma autêntica?
Todas as relações têm desentendimentos. Discutir não significa estar em ruínas, mas há discussões que constroem e outras que destroem
Mas faz sentido manter uma relação quando há sacrifício envolvido?
É preciso distinguir entre compromissos saudáveis e sacrifícios destrutivos. Comprometer-se significa ceder em certos momentos para equilibrar as necessidades do casal, enquanto sacrificar-se ao ponto de anular a própria identidade ou bem-estar não é sustentável. Se o sacrifício for unilateral ou constante, a relação torna-se um fardo e pode levar a ressentimentos e frustração.
Quais os sinais de que uma relação se degradou e que deve ser reavaliada?
As relações não se desfazem de um dia para o outro. É um processo gradual e existem sinais claros: quando o diálogo se torna escasso ou conflituoso, se a ligação emocional e a intimidade diminuíram significativamente, quando há desvalorização, críticas constantes ou comportamentos agressivos, quando há uma sensação de solidão e os projetos de vida dos dois deixam de ser compatíveis, se os ciúmes são excessivos e existe controlo ou manipulação... Diria que uma relação precisa de ser reavaliada quando se torna um lugar de inquietação. Se estes sinais estiverem presentes, é importante refletir se ainda existe espaço para mudança ou se a relação está a ser mantida apenas por hábito ou medo da separação.
Hoje, mais do que nunca, fala-se muito sobre aquilo que são relações tóxicas. Qual a fronteira que separa os conflitos comuns num relacionamento de comportamentos que fazem com que uma relação seja irrecuperável?
Todas as relações têm desentendimentos. Discutir não significa estar em ruínas, mas há discussões que constroem e outras que destroem. Numa relação saudável, os conflitos são resolvidos com respeito e comunicação aberta. Numa relação tóxica, os conflitos são repetitivos, desgastantes e geram sofrimento emocional. Num 'conflito saudável' há escuta ativa, tentativa de compreensão e solução do problema. Numa relação tóxica, por outro lado, há manipulação, desvalorização, falta de empatia, agressividade ou silenciamento. Se os conflitos deixam a pessoa emocionalmente esgotada, insegura ou infeliz, é um sinal de alerta. É verdade que muitas vezes queremos que a relação dure para sempre, mas esquecemo-nos que o 'para sempre' precisa de ser renovado todos os dias. O amor pode ser um lugar seguro, mas nunca será um lugar fácil.
De forma prática, que estratégias podem ser implementadas antes de se decidir colocar um ponto final na relação?
O casal deve tentar falar de forma clara sobre o que está a gerar insatisfação, criar momentos de conexão e, se houver vontade de ambos, a terapia pode ajudar a resgatar a relação. Mas atenção: os terapeutas de casal não são casamenteiros. Deve avaliar-se se os problemas têm solução e entender se a insatisfação vem da relação ou de aspetos individuais. Se, mesmo após estes esforços, a relação continuar a ser fonte de sofrimento, a separação pode ser a melhor escolha.
Se fomos expostos a relações instáveis, podemos desenvolver inseguranças, padrões de dependência emocional ou dificuldades em estabelecer vínculos saudáveis. Amamos como nos ensinaram
Nos casos em que a decisão é a separação, é possível manter uma relação de amizade com o 'ex'?
Isso depende de vários fatores. Se o término foi amigável e existe respeito mútuo, a amizade pode ser possível. No entanto, se houve mágoas profundas ou se um dos dois ainda sente algo pelo outro, a amizade pode ser difícil e até prejudicial. É essencial dar tempo para que ambos consigam redefinir a relação sem expectativas não resolvidas.
Perder alguém que ainda respira é um luto sem ritual. E o luto de uma relação passa por várias fases
Costuma dizer-se que o fim de uma relação, seja divórcio ou separação, implica uma espécie de luto. É assim?
Perder alguém que ainda respira é um luto sem ritual. E o luto de uma relação passa por várias fases, ainda que não haja um tempo certo. Primeiro, surge a aceitação da perda, que implica reconhecer que a relação terminou. Depois, a expressão emocional. Esta é a fase em que deve permitir-se a sentir, sem reprimir as emoções. Logo de seguida, é a altura de evitar contacto frequente e redescobrir interesses individuais, procurando suporte social, familiar e profissional. Falar com amigos, familiares ou procurar um profissional pode ajudar no processo. A última fase consiste em redefinir a vida sem a relação, focando-se em objetivos pessoais. Vale ainda a pena lembrar que o tempo necessário para este luto varia de pessoa para pessoa, mas o mais importante é respeitar o próprio processo e evitar cair em ciclos de autossabotagem ou relações de substituição imediata.
Para rematar a nossa conversa... É verdade que os nossos pais influenciam a forma como amamos?
Absolutamente. A forma como fomos amados na infância molda a nossa visão sobre o amor e as relações. A maneira como fomos vistos e valorizados tem um impacto profundo na construção do nosso eu e na forma como nos relacionamos connosco e com os outros. O estilo de vinculação que desenvolvemos - seguro, ansioso ou evitante - reflete as experiências que tivemos com as nossas figuras parentais. Se crescemos num ambiente seguro e afetuoso, tendemos a ter relações mais equilibradas. Por outro lado, se fomos expostos a relações instáveis, podemos desenvolver inseguranças, padrões de dependência emocional ou dificuldades em estabelecer vínculos saudáveis. Amamos como nos ensinaram, mesmo que passemos a vida a desaprender.
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