Depois de ter desaparecido da imprensa oficial durante o pico da crise, o secretário-geral do Partido, Xi Jinping, voltou a ser destaque no noticiário da televisão estatal, surgindo a dar instruções sobre como lidar com o surto, numa altura em que o número de novos casos no país tem caído.
A reabilitação da imagem do regime "parece ser um esforço de última hora de Xi para desviar a culpa e evitar uma condenação pela comunidade internacional por ausência de uma versão honesta do que realmente aconteceu", escreveu Elizabeth C. Economy, diretora para a Ásia no Conselho de Relações Exteriores, uma unidade de investigação norte-americana, na revista Foreign Policy.
Os noticiários mostram ainda médicos e enfermeiros nas linhas de frente, retratando-os como trabalhadores modelo, prontos a sacrificarem-se em prol do povo e do Partido Comunista.
Para o regime chinês, o surto passou de constituir um risco político para ser uma oportunidade de reforçar a sua legitimidade, à medida que vários países se deparam com um surto que teve origem na China, onde contaminou mais de 80.700 pessoas e causou 3.119 mortos, até à data, cerca de 80% do total mundial.
Nas primeiras semanas após o novo coronavírus ter sido detetado, na cidade de Wuhan, centro do país, o regime chinês silenciou denunciantes e ocultou informações cruciais, facilitando o alastramento do surto ao resto do país e além-fronteiras.
Em editorial, o jornal oficial Global Times acusou já a Coreia do Sul, que mesmo durante o pico da crise na China não suspendeu a entrada de pessoas oriundas do país e doou máscaras e equipamento médico para o país vizinho, de ter sido lenta a reagir à propagação da doença.
O tópico "O método chinês é o único que se mostrou bem-sucedido" tornou-se também viral na Internet do país, com 'memes' e vídeos a enaltecerem as medidas drásticas que ditaram a restrição no movimento de centenas de milhões de pessoas.
Autoridades do Partido anunciaram já um livro, que vai ser publicado em seis idiomas, sobre o combate ao surto, e que retrata Xi Jinping como o "grande líder" que tem como prioridade a "saúde do povo", num testemunho da força do sistema autoritário da China.
Internamente, a fórmula parece ter surtido efeito, embora a ascensão das redes sociais constitua um desafio, à medida que uma minoria crescente questiona a narrativa oficial dos eventos.
Muitos, contudo, acabam passivamente por adotar a narrativa repetida por várias vezes, observou Steve Tsang, diretor do Instituto da China da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres.
A imprensa, o debate público, o ensino e a Internet são controlados e censurados pelo Partido Comunista, que detém assim o "monopólio da verdade e da História da China", lembrou Tsang.
"O que o Partido afirma é a 'verdade', por definição. Opiniões divergentes são rotuladas como falsas e como rumores", resumiu.
A abordagem consiste em reprimir qualquer crítica, fornecendo exemplos positivos e retratando a liderança do Partido único do poder na China como a única solução viável para a governação do país.
A China deteve e baniu jornalistas independentes das redes sociais do país, após terem revelado imagens de hospitais sobrelotados e funcionários de saúde esgotados, ao fim de dias a fio a trabalhar sem descanso.
"Os médicos são retratados como heróis, não por causa da sua dedicação como profissionais de saúde, mas porque são membros do Partido", apontou Anthony Saich, especialista em assuntos da China na Universidade de Harvard, citado pela Associated Press.
Os funcionários da saúde e comités de bairro formados localmente, e encarregues de assegurar medidas de quarentena, formam a base da "guerra popular" contra o vírus decretada por Xi Jinping.
Um recente noticiário noturno da televisão estatal CCTV mostra unidades de saúde do exército, todos a uma distância segura uns dos outros, seguindo o protocolo ordenado pelo Governo, com as bocas e narizes cobertos por máscaras protetoras.
"As guerras convidam as pessoas a deixar de lado as suas disputas e divergências e a unirem-se", resumiu David Bandurski, do China Media Project, da Universidade de Hong Kong.