Embora o relativo isolamento de muitos campos possa ter retardado a disseminação do vírus, nenhum deles é hermeticamente fechado e, se não forem feitos testes, o vírus pode espalhar-se descontroladamente, até porque os cuidados intensivos não têm capacidade ou equipamentos suficientes, avisa a organização.
"Os testes são escassos até em Nova York e na Noruega. Na maioria dos países do sul nem sequer existem", afirmou o chefe do Conselho Norueguês de Refugiados, Jan Egeland, referindo que o conselho fez recentemente uma prospeção nos 30 países em que opera e não encontrou praticamente nenhum teste feito antes de as pessoas adoecerem.
Segundo adiantou, o coronavírus já apareceu na Síria, onde uma guerra civil de uma década deslocou mais de metade dos 23 milhões de pessoas que viviam no país, destruiu pelo menos 350 unidades de saúde e provocou a morte de mais de 900 equipas médicas.
No entanto, referiu, ainda não foram registados casos na província de Idlib, no noroeste da Síria, onde uma ofensiva do Governo levou à fuga de quase um milhão de pessoas, no início deste ano.
"Se o coronavírus se espalhar da Europa, via Turquia, para Idlib, e ganhar força lá, certamente voltará para a Europa", avisou Jan Egeland.
Para Zaher Sahloul, um médico sírio que vive em Chicago e dirige a organização internacional de saúde MedGlobal, o facto de Idlib não ter ainda casos de covid-19 é "um milagre", já que um surto na região seria "catastrófico".
No caso do Cox's Bazar, um campo de refugiados no Bangladesh, considerado o maior do mundo, e que alberga mais de um milhão de membros da minoria muçulmana rohingya de Mianmar, não foi feito nenhum teste.
A coordenadora médica da organização Médicos Sem Fronteiras Kate White explicou que o país tem "uma capacidade muito limitada de fazer testes" e os poucos 'kits' que existem estão apenas na capital.
A agência de refugiados da ONU está a construir no país centros de isolamento e tratamento que podem abrigar 150 a 200 pacientes, mas a refugiada Sakina Khatun, que mora em Cox's Bazar com o marido e sete filhos, numa pequena cabana de bambu e lona, acredita que "o vírus vai matar tudo o que tocar", se entrar nos campos.
"Se isso acontecer, nenhum médico nos poderá salvar", lamentou.
Um sentimento semelhante espalhou-se por muitas zonas de conflito em toda a África.
No Burkina Faso, 800.000 pessoas fugiram dos ataques dos 'jihadistas' nos últimos meses, mas arriscam-se a viver agora outra guerra.
A refugiada Aguirata Maiga diz que o sabão é tão caro que ela tem de escolher entre lavar as mãos dos filhos ou as roupas.
O frágil sistema de saúde do país alberga apenas 60 camas nos cuidados intensivos e um punhado de ventiladores, para uma população de cerca de 20 milhões de pessoas.
Também no sobrelotado campo de refugiados de Kakuma, no Quénia, onde vivem mais de 190.000 somalis em tendas, não há testes de coronavírus nem unidades de cuidados intensivos ou ventiladores.
Também na Europa, os campos de refugiados estão ameaçados pela covid-19
Hoje, a organização humanitária Human Rights Watch (HRW) alertou para os campos na Grécia e acusou as autoridades de não tomarem medidas para lidar com a sobrelotação e falta de assistência médica, nem proporcionar acesso a água, saneamento e produtos de higiene adequados a fim de limitar a propagação da pandemia.
"As imagens das condições esquálidas dos campos nas ilhas deixam claro que o Governo grego não cumpre as medidas mínimas de prevenção e proteção contra a covid-19", disse o investigador da HRW para crises e conflitos, Belkis Wille, alertando que "mesmo a lavagem das mãos e o distanciamento social são impossíveis" ali.
Em 20 de abril de 2020, viviam 34.875 migrantes e requerentes de asilo nos campos das ilhas gregas do Mar Egeu (Chios, Kos, Leros, Lesbos e Samos), número seis vezes superior à capacidade máxima.