Vacinas de refrigeração a baixas temperaturas não são solução para África
O professor catedrático Reynaldo Dietze defende que as vacinas covid-19 que precisam de refrigeração a baixas temperaturas não são solução para África, considerando como opção ideal as de vírus inativados sobre as quais, no entanto, falta informação.
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Mundo Covid-19
Em entrevista à agência Lusa, Reynaldo Dietze, que dirige a Unidade de Ensino e Investigação Clínica de Medicina Tropical, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), explicou, por outro lado, que entre as vacinas de RNA mensageiro já aprovadas - Pfizer/Biontech e a Moderna/Universade de Oxford -, a segunda seria uma opção melhor para um clima como o do continente africano.
"Para África, o ideal seria uma vacina como a da Moderna e vacinas de vírus inativados", disse Reynaldo Dietze, adiantando que a vacina da Moderna pode ser refrigerada a 20 graus negativos e conserva-se durante um mês fora do frio.
O especialista brasileiro, que vive em Portugal há quatro anos, explicou que a vacina da Pfizer/Biontech, que necessita de ser conservada a temperaturas de -70 graus, "não é aplicável" em África, nem mesmo em países como o Brasil.
"Os refrigeradores de -80 graus são utilizados essencialmente em laboratórios de investigação ou em bancos de esperma, onde é usado nitrogénio líquido, porque não há motivo para congelar nada a estas temperaturas", disse, apontando que um refrigerador convencional tem temperaturas de -20 graus e o gelo seco -30 graus.
Reynaldo Dietze alertou que, qualquer quebra nesta cadeia de frio, obriga a "descartar" as doses e que, nesse contexto, há o risco de inocular vacinas adulteradas e que não terão qualquer efeito.
Dietze aponta também as questões do transporte de vacinas para o continente.
"Praticamente teria de se centralizar a vacinação no lugar de armazenamento", disse, adiantando que será necessária uma estrutura de refrigeração e outra de geradores por causa dos frequentes cortes energéticos no continente.
"Vai ser uma coisa desafiadora porque nessa dimensão nunca foi feito no mundo", sublinhou.
Por isso, o especialista sustentou que as vacinas de vírus inativados, como a CoronaVac, da farmacêutica chinesa Sinovac, que está a ser desenvolvida no Brasil em parceria com o Instituto Butantan, seria uma opção mais fácil para os países africanos.
No entanto, o especialista alerta para a falta de dados consistentes sobre a eficácia dessa vacina, que os estudos do Instituto Butantan apontam como sendo de 50,38%, comparado com a eficácia acima dos 90% das vacinas de RNA mensageiro da Pfizer/Biontech e a Moderna/Universade de Oxford
"O problema é estar a aplicar uma vacina que não se sabe o que é. É preciso mais dados. É preciso saber o que se ganha com a vacina, porque uma eficácia muito baixa é muito trabalho para não conseguir o objetivo desejado", disse, lembrando que no "pipeline" há quase 200 vacinas candidatas.
Apesar deste número, Reynaldo Dietze acredita que as vacinas que não conseguirem ser aprovadas para entrar no mercado em dois ou três meses, não conseguirão entrar.
"Daqui a pouco, o mundo começa a ser vacinado e quando os Estados Unidos terminarem, já sobram vacinas para outros países e as coisas vão ficando mais simples e a pandemia acaba. Não vamos conseguir continuar a produzir vacinas", disse.
"O que funcionar daqui a dois ou três meses neutraliza o resto, a não ser que haja um grande problema e a eficácia seja muito curta. Mas acho que estamos no caminho certo", acrescentou
A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou na semana passada que as primeiras doses das vacinas da covid-19 provenientes da parceria global Covax deverão chegar a África em março, sem especificar quais são essas vacinas.
A diretora regional para África da Organização Mundial de Saúde, Matshidiso Moeti, adiantou que a parceria Covax visa fornecer até junho cerca de 600 milhões de doses para África, um continente com 1,3 mil milhões de pessoas.
Também na semana passada, o presidente em exercício da União Africana e chefe de estado da África do Sul, Cyril Ramaphosa, anunciou a reserva para os países africanos de 270 milhões de doses das vacinas da Pfizer, Johnson & Johnson e AstraZeneca através do Serum Institute da Índia.
Espera-se que as doses sejam atribuídas aos países com base na dimensão da população e na gravidade do surto, sendo os trabalhadores da saúde considerados de máxima prioridade depois de milhares de pessoas terem sido infetadas.
O continente africano enfrenta a segunda vaga da pandemia e regista atualmente cerca de 30.000 novos casos de vírus por dia, em comparação com 18.000 durante o primeiro surto, segundo dados do Africa CDC, que apontam que as mortes confirmadas por covid-19 aumentaram 21% na última semana em África.
O continente tem mais de 3,1 milhões de casos confirmados de vírus, incluindo mais de 76.000 mortes, e de acordo com os especialistas está a ser "atingido muito duramente" por uma segunda vaga de infeções.
A taxa de mortalidade associada à doença em África é agora de 2,4%, acima da taxa média global de 2,2%.
A África do Sul é um dos países mais atingidos do mundo, uma vez que uma variante altamente infecciosa do vírus domina agora o número de novos casos. O país tem mais de 1,2 milhões de casos, incluindo 35.000 mortes.
As vacinas da Covax deverão cobrir apenas 20% da população em África e surgem preocupações relacionadas com forma como os países africanos poderão receber vacinas que requerem um armazenamento super-frio, devido à falta de infraestruturas e ao fornecimento de energia incerto.
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