Convocado através das redes sociais sob o lema "Basta de privilégios! Que renunciem os envolvidos", o protesto contra a chamada "vacinação VIP" teve epicentro na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, em Buenos Aires, mas teve réplicas nas principais praças e avenidas do país.
Também houve uma forte manifestação em frente à residência presidencial para que o Presidente, Alberto Fernández, ouvisse a reclamação popular.
Bandeiras argentinas, buzinas, cornetas e panelas compuseram um cenário de indignação contra um esquema de vacinas que incluía o uso da ante-sala, anexa ao gabinete do ministro da Saúde, como uma sala improvisada de vacinação a ministros, legisladores e políticos aliados do Governo.
"Estou aqui para que renunciem todos esses corruptos. Agora roubam também as vacinas. São ladrões que se apoderam do Estado como se fosse algo particular. Quero que renunciem e que, a partir de agora, haja transparência na vacinação", diz à Lusa Carlos Álvarez, de 67 anos, na Praça de Maio.
No dia 19 de fevereiro, quando o esquema de vacinação privilegiada foi divulgado, o Presidente Alberto Fernández demitiu o seu ministro da Saúde, Ginés González García, e deu por terminada a resposta do Governo ao escândalo.
"Sabemos de gente com menos de 40 anos que foi vacinada enquanto eu tenho uma tia de 93 que continua a esperar pela vacina", compara Nélida Fernández, de 63 anos.
Na Argentina, a escassa quantidade de vacinas está reservada ao pessoal da saúde e, desde a semana passada, a maiores de 80 anos. Até agora, menos de 60% dos trabalhadores da saúde foram vacinados.
Porém, os "amigos do poder" conseguiram um atalho político que incluía três formas de vacinação clandestina: ou eram levados num transporte oficial até o hospital escolhido pelo Governo para atender os privilegiados ou eram atendidos em casa numa vacinação VIP ao domicílio ou eram atendidos no próprio Ministério da Saúde.
"Não temos quem nos cuide. Com essa vacinação ilegal, passaram todos os limites. Antes roubavam para se enriquecerem enquanto empobreciam os demais. Agora, roubam também as vacinas para salvarem as suas vidas sem se importarem com a vida dos demais", critica, indignado, Marcelo Ortíz, de 55 anos.
O esquema funcionava graças a uma reserva de 3.000 vacinas que o Ministério da Saúde mantinha em segredo para uma vacinação paralela ao esquema oficial.
Esta semana, o Governo divulgou uma lista com 70 nomes de beneficiados pelo esquema. Aparecem ministro, ex-ministros, legisladores, um embaixador (no Brasil), um ex-presidente e vários parentes dos beneficiados. Poucos acreditam que a lista esteja completa.
"Há uma palavra que falta no vocabulário do Governo e de todos os que foram vacinados: perdão. Como nunca antes, ficou tão explícita uma cultura de apropriação do Estado. O Governo deve divulgar todas as listas em todos os distritos. Sem isso, viverá uma crise de confiança", garante o senador da oposição Martín Lousteau, presente na Praça de Maio.
Nesta semana, o Presidente Alberto Fernández tentou minimizar o escândalo, reduzindo-o a uma mera "furada de fila".
"Terminemos com essa palhaçada. Não há nenhum delito penal em furar a fila", afirmou Fernández, traçando um complô entre os meios de comunicação, a oposição e a Justiça.
O ministro da Saúde demitido recebeu 13 denúncias, que vão desde "abuso de autoridade" à "propagação de doença", passando por "peculato".
"Este é um protesto muito tangível porque o escândalo afeta de perto todas as pessoas que entendem que as vacinas desviadas eram para os seus pais, avós, amigos ou conhecidos de grupos de risco. E o escândalo abala um dos principais pilares da democracia: o da igualdade", indica a analista política Sabrina Ajmechet, da Universidade de Buenos Aires.
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