EUA: Diplomacia de volta mas estratégia internacional ainda por definir

Nos primeiros 100 dias na Casa Branca, a administração de Joe Biden trouxe a diplomacia de volta mas, observam analistas ouvidos pela Lusa, ainda não definiu as grandes linhas da sua estratégia internacional, numa altura de grande turbulência doméstica.

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© JIM WATSON/AFP via Getty Images

Lusa
27/04/2021 08:07 ‧ 27/04/2021 por Lusa

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"Biden tem tentado reposicionar os Estados Unidos como líder das democracias, mas num momento de profunda crise nacional. Vemos as prioridades domésticas a moldar e influenciar a direção da política externa, e um Biden que, por mais que queira atirar-se de cabeça a estas questões internacionais, tem-se sentido preso a nível nacional", disse à Lusa a cientista política Daniela Melo, professora na Universidade de Boston.

A especialista considera o saldo dos primeiros 100 dias positivo, citando o foco em questões como as alterações climáticas e as proteções laborais e destacando a reintegração dos Estados Unidos no Acordo de Paris, Organização Mundial de Saúde e reforço do compromisso com as Nações Unidas.

Daniela Melo destacou o anúncio da retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão como a medida mais inesperada destes 100 dias.

"É um posicionamento muito forte que pode redirecionar a guerra contra o terror dos últimos vinte anos nos Estados Unidos" e um "dizer ao Pentágono que não podemos continuar numa guerra onde não há estratégia de saída e ao público americano que esta é a guerra mais longa dos EUA e não faz sentido", considera a especialista.

Também o cientista político Everett Vieira, docente na Universidade Estadual da Califórnia, Fresno, dá nota positiva. "Se o fim da guerra no Afeganistão acontecer realmente, será algo novo", disse à Lusa o académico.

Vieira considerou que há uma mudança em relação ao papel e imagem dos Estados Unidos na comunidade internacional.

"A nova administração está a tentar restabelecer velhas ligações, quer seja pela renegociação do tratado com o Irão, quer pela renovação do compromisso com a NATO", exemplificou.

Este académico sustentou, todavia, que "não se pode pôr o génio de volta dentro da lâmpada" e a renegociação com o Irão será um processo complicado, visto que foram os EUA a rasgar o acordo que proibia o enriquecimento de urânio para o desenvolvimento de armas nucleares.

"Porque é que o Irão confiaria nos Estados Unidos agora? Que motivação teria para reentrar no acordo sabendo que dentro de quatro anos podemos ter outro Presidente republicano, ou até novamente Trump?", questionou.

Além disso, o Irão terá eleições presidenciais em junho e qualquer aparência de concessão aos EUA pode ser mal vista. "É possível reentrar num acordo? Sim. Mas não vai ser igual ao que era", avisou Vieira.

Outro problema para a administração Biden é a Rússia. O Presidente impôs uma lista extensa de sanções ao regime de Vladimir Putin e criticou a situação do líder da oposição Alexei Navalny, preso e a recuperar de uma greve de fome.

"A retórica dura do Presidente Biden é muito diferente da relação mais amigável entre o Presidente Trump e Vladimir Putin", referiu, "é um tom diferente (...), mas não é o início de uma nova guerra fria", disse Vieira, frisando que, do lado russo, nada vai mudar num futuro próximo.

As sanções anunciadas não têm muita força, segundo a análise de Daniela Melo.

"A questão dos direitos humanos é onde eu daria a pontuação mais baixa", afirmou a professora, referindo que as posições de repúdio da administração Biden têm sido "fortes" no que toca a abusos na Rússia, China, Myanmar e outros, mas as ações ficam aquém da retórica.

"A União Europeia é o parceiro económico mais importante da China e da Rússia. Se queremos ter um impacto mais forte, temos de coordenar uma nova estratégia de pressão económica", afirmou.

Para a especialista, é relevante o facto de ainda não ter sido confirmado um embaixador de peso dos Estados Unidos em Bruxelas, que possa liderar o esforço para coordenar uma estratégia com a União Europeia.

Everett Vieira refere igualmente a importância vital das relações entre EUA e Europa.

"É uma das coisas mais importantes que a administração Biden está a fazer", afirmou, "refazer o compromisso com a comunidade internacional e com as organizações internacionais, em vez de tentar fazer as coisas de forma isolada como a administração anterior".

Essa é uma das maiores diferenças entre o Presidente democrata e o seu antecessor, mas também há similaridades. Everett Vieira aponta o facto de Biden seguir algumas das linhas iniciadas por Donald Trump no que toca à China.

"Não creio que a abordagem de Trump à China tenha sido certa, mas penso que a sua avaliação estava correta, e vejo a administração Biden a continuar algumas políticas ou linhas de pensamento", afirmou o académico, considerando que "a China já não é um poder emergente, é um superpoder global".

O cientista político disse que "há muitas questões pendentes", desde a repressão em Hong Kong e o tratamento da comunidade Uigur ao futuro de Taiwan e a chamada Nova Rota da Seda.

A administração Biden "está cautelosa", considerou, e uma das vias possíveis de cooperação entre as duas potências será na abordagem às alterações climáticas.

Outra área em que tem de haver maior cooperação é no combate à pandemia, e Daniela Melo considera que a ação internacional da administração neste contexto tem sido tímida.

"Podíamos ver muito mais apoio para acelerar a distribuição de vacinas e muito mais pressão sobre países como o Brasil e a Índia para tomarem medidas mais drásticas de contenção, e até ajudas económicas para esse efeito", afirmou.

No entanto, a professora destacou a importância do regresso da diplomacia sem discursos hegemónicos.

"Com Biden, a questão é querer que os Estados Unidos voltem a liderar um grupo de democracias a nível do sistema internacional", afirmou, recordando que "ao contrário de Trump, Biden fala muito em liderança - mas não em hegemonia".

 

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