"A produção de alimentos como a conhecemos desenvolveu-se num clima bastante estável durante um período de lento aquecimento que se seguiu à última era do gelo. O crescimento contínuo das emissões de gases de efeito estufa pode criar novas condições e a produção agrícola e pecuária simplesmente não terá tempo de se adaptar", adianta Matias Heino, coautor da investigação da Aalto University.
O estudo hoje publicado na revista científica One Earth dedicou-se a analisar quais as regiões do planeta que seriam mais afetadas e quais os maiores riscos a que estariam sujeitas caso o aquecimento global continuasse a crescer ao ritmo atual.
Esta investigação definiu o conceito de espaço climático seguro como as áreas onde atualmente ocorre 95% da produção agrícola mundial, devido à combinação de três fatores climáticos - precipitação, temperatura e aridez.
De acordo com os resultados agora divulgados, as alterações climáticas com impacto na pluviosidade e na aridez do solo são "especialmente ameaçadoras para a produção de alimentos no sul e sudeste da Ásia, bem como na região do Sahel" (faixa que atravessa o continente africano).
Os resultados mostram ainda que a ameaça das alterações climáticas afeta os países e os continentes de maneiras diferentes, concluindo que, em 52 dos 177 países analisados no estudo, toda a produção de alimentos permaneceria no espaço climático seguro no futuro, incluindo a maioria dos países europeus.
Por outro lado, países considerados já vulneráveis como o Benim, o Camboja, o Gana, a Guiné-Bissau e o Suriname seriam "duramente atingidos" se nenhuma mudança fosse feita, uma vez que o estudo chegou à conclusão que "até 95% da sua produção atual de alimentos ficaria fora do espaço climático seguro".
A investigação alerta ainda que estes países têm "significativamente menos capacidade de se adaptar às mudanças provocadas pelas alterações climáticas quando comparadas aos países ocidentais ricos".
Se as emissões de dióxido de carbono forem controladas, os investigadores da universidade finlandesa estimam também que a maior zona climática do mundo - a floresta boreal, que se estende pela América do Norte, Rússia e Europa - diminua dos atuais 18 para os 14,8 milhões de quilómetros quadrados em 2100, enquanto a continuação das atuais emissões levaria à redução desta zona para apenas oito milhões de quilómetros quadrados.
"A nossa pesquisa mostra que o crescimento rápido e fora de controlo das emissões de gases de efeito estufa pode, até o final do século, fazer com que mais de um terço da atual produção global de alimentos fique nas condições em que nenhum alimento é produzido hoje, isto é, fora de um espaço climático seguro ", explica Matti Kummu, especialista desta área na Aalto University.
Segundo Matti Kummu, a "boa notícia" é que, se o aquecimento global for reduzido entre 1,5 a dois graus Celsius, apenas uma fração reduzida da produção alimentar mundial poderá ficar sujeita a estas condições adversas.
"Se deixarmos as emissões crescerem ao ritmo atual, o aumento das áreas desérticas é especialmente preocupante, porque nessas condições quase nada pode crescer sem irrigação. No final deste século, podíamos ver mais de quatro milhões de quilómetros quadrados de novo deserto em todo o planeta", avança o investigador.
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