Clínica jurídica quer criar cultura de denuncia na Guiné Equatorial

Na clínica jurídica que gere no centro de Malabo, Maria Jesús Bikene ouve diariamente relatos de violência sobre mulheres, abusos laborais ou perseguições de homossexuais, violações descortinadas em conversas ocasionais, que revelam, em comum, o medo de denunciar.

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Lusa
16/05/2021 09:27 ‧ 16/05/2021 por Lusa

Mundo

Guiné Equatorial

 

Advogada e ativista, Maria Jesús gere a clínica que apoia e protege outros ativistas e organizações da sociedade civil no seu trabalho de promoção dos direitos humanos na Guiné Equatorial, através de pequenos projetos que permitam "criar consciência" sobre "as tantas violações" que ocorrem no país, liderado há mais de 40 anos por Teodoro Obiang.

"Aqui, como há tantas violações de direitos humanos, as pessoas não se atrevem a fazer projetos tendentes a educar a sociedade", disse Maria Jesús Bikene, em entrevista à agência Lusa em Malabo.

Criada no âmbito do APROFORT, um projeto co-financiado pela União Europeia, a clínica centra a sua atividade em particular nas mulheres e raparigas e em membros de grupos LGTBQI+, considerados dos grupos mais vulneráveis do país.

"Muitas vezes falta consciência, outras vezes é o medo de denunciar. E outras, muitas vezes, as pessoas questionam-se sobre se vale a pena denunciar", disse Maria Jesús Bikene, dando como exemplo, os abusos cometidos pelas autoridades, nomeadamente a polícia, contra vendedores ambulantes ou a violência conjugal sobre mulheres.

"Nem todas as mulheres entendem que quando o marido as agride, está a violar muitos dos seus direitos e que isto pode ser denunciado. Muitas acreditam que o marido tem direito de bater-lhes", disse, explicando que apesar de não existir legislação específica sobre violência de género no país, os agressores podem ser denunciados por agressão ou lesões.

A advogada acredita que a violência doméstica no país é "um fenómeno muito maior do que se conhece" porque "é muito silenciada".

"A maior parte das vezes, as mulheres não denunciam. As mulheres não vêm aqui denunciar, as queixas surgem porque já estão a divorciar-se ou no meio de uma conversa", disse.

Para Maria Jesús, é preciso que a população tenha consciência de quando os seus direitos estão a ser violados e das possibilidades, ainda que limitadas ou inconsequentes, de denunciar essas violações.

"Há que dar esta educação às pessoas. Na Europa, pode parecer simples, mas aqui não. Aqui ainda faz falta muita educação", disse.

Pela clínica jurídica, passam também muitos casos de abusos laborais que ocorrem durante anos e só saem à luz do dia quando acabam em despedimentos.

"Muita gente trabalha sem nenhuma segurança, não lhes pagam o que deviam, mas preferem calar-se, porque alguma coisa é melhor que nada. E as pessoas acabam por vir apenas quando, por quaisquer motivos, foram despedidas e é aí que contam todos os abusos", disse.

Situações agravadas no último ano covid-19, que segundo Maria Jesús Bikene, deu cobertura a "despedimentos massivos" sem respeito pelas leis laborais, além das falências provocadas nos pequenos negócios particulares, em consequências das medidas restritivas de combate à pandemia.

Com as fronteiras fechadas, as mulheres que vendiam nos mercados produtos que compravam nos vizinhos Camarões, não têm nada que vender, assinalou a ativista, sublinhando que, em consequência, a vida na Guiné Equatorial se "tornou extremamente cara", afetando sobretudo os mais pobres.

Leia Também: Presidente de Cabo Verde visita Guiné Equatorial em junho

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