"O que apanhou toda a gente de surpresa foi o facto de os protestos pro-Zuma tão rapidamente se transformarem em protestos contra as políticas sociais e tão depressa evoluírem para uma atmosfera generalizada de pilhagens, desordem e anarquia", afirmou à Lusa Christopher Vandome, investigador no Programa África no instituto de análise Chatham House, em Londres.
Pelo menos 45 pessoas morreram e mais de 750 foram detidas em distúrbios violentos, saques e ações de intimidação, que continuam pelo sexto dia consecutivo na África do Sul, depois da prisão do antigo chefe de Estado e ex-líder do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), Jacob Zuma, na passada quarta-feira à noite.
O Governo sul-africano destacou 2.500 militares para apoiar a polícia a conter os distúrbios na província de origem de Zuma, KwaZulu-Natal, assim como em Gauteng, o motor da economia do país. Mas os protestos estendem-se a várias outras cidades da África do Sul, nomeadamente à Cidade do Cabo, onde vivem mais de 30.000 portugueses.
Esperava-se que os apoiantes de Zuma organizassem alguns protestos e "foi isso que aconteceu", no final da semana passada, em que "muita retórica que acompanhava os protestos estava associada à libertação de Jacob Zuma. O bloqueio de estradas, incêndio de veículos, alguns protestos em Durban e depois em Joanesburgo, até ao fim-de-semana, estavam relacionados com Zuma", descreveu o analista.
Mas depois, "a coberto disso", aconteceram os ataques e raids a centros comerciais e as pilhagens generalizadas. Altas individualidades políticas sul-africanas, como o vice-secretário-geral do ANC, deram crédito a "relatos de que existiam listas de alvos a circular nas redes sociais", sublinhou Vandome.
Segundo o investigador, "um conjunto de instigadores" conseguiu juntar a um pequeno grupo de apoiantes de Zuma uma multidão de oportunistas, elementos criminosos e outros. "Tudo isto se juntou num mesmo caldo e levou a esta situação ao longo do fim de semana", disse.
Neste momento, sublinhou Christopher Vandome, "os instigadores ainda lá estão e, apesar de o ministro da Administração Interna dizer que serão responsabilizados, conseguiram criar um frenesim, as multidões não param de crescer e há tanto a acontecer que a polícia não consegue dar resposta. A situação é muito, muito volátil", descreveu.
O investigador da Chatham House chamou a atenção para as declarações de hoje de Ayanda Dlodlo, ministra para a Segurança do Estado, segundo as quais as autoridades sul-africanas estavam "cientes de que algo iria acontecer", porque a situação vinha a ser "acompanhada de muito perto" através de um "bom serviço de informações", mas, admitiu a governante, citada por Vadome, "todos foram um pouco surpreendidos pela escala que tomaram os protestos e a violência".
"Penso que os serviços de segurança do Estado e a polícia esperavam que houvesse estes protestos em apoio de Jacob Zuma, mas não esperavam que se intensificassem ao ponto de passarem a ser protestos contra as condições e as frustrações socioeconómicas", afirmou o analista.
As imagens de caos, pilhagens e violência podem vir a ter efeitos nefastos numa economia, já em sérias dificuldades, considerou ainda o investigador da Chatham House.
A Comissão Económica das Nações Unidas reviu em baixa a previsão de crescimento das economias africanas, em meados de maio, antecipando uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) da África do Sul em 2,8% este ano. Agora, porém, "o mundo inteiro está a ver imagens de centros comerciais em chamas no país. Isso vai fazer com que as pessoas pensem duas vezes antes de pôr lá o seu dinheiro", prevê Christopher Vandome.
"Temos uma questão de confiança e isto afetará o PIB. Haverá restrições ao investimento interno, na sequência de uma confiança enfraquecida. E, a nível internacional, em termos da capacidade da África do Sul para atrair investimento direto estrangeiro (IDE), penso que as pessoas começam agora, realmente, a pensar duas vezes sobre isso", acrescentou.
Por outro lado, e "a curto prazo, vamos ter graves perturbações na cadeia de abastecimento. Uma das estradas principais que acaba de ser obstruída é a que liga o porto de Durban a Joanesburgo", chamou a atenção o especialista.
"Outro impacto económico primário é o da devastação das pequenas empresas, já de si numa situação económica muito frágil. Vai demorar muito tempo para que algumas destas comunidades cicatrizem", estimou.
No espaço de um mês, a depreciação da moeda sul-africana vinha já sendo significativa, "desceu 4,5% contra a libra este mês, e em relação ao dólar só no dia de ontem [segunda-feira], caiu 2,5%", sublinhou o analista da Chatham House.
"Estes números não são bons. Há muita reconstrução que precisa de ser feita a nível político, como social e económico, na sequência disto", concluiu.
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