"Em 2019, houve um decréscimo nos empréstimos chineses para África, há uma lógica mais comercial, mas nessa balança comercial há um défice, porque África não consegue exportar para a China", disse Ana Fernandes.
A chefe da Unidade de Prospetiva, Relações Exteriores e Reforma de Políticas na Direção de Cooperação para o Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) falava nas Lisbon Speed Talks, organizadas pelo Clube de Lisboa em parceria com a Câmara de Lisboa e o Instituto Marquês de Valle Flor (IMVF).
Ana Fernandes sublinhou que a exportação dos produtos africanos para a China "podia ser uma grande oportunidade nesta fase de recuperação da pandemia, mas as regras da China são contrárias à importação e a nova parceria global com o resto do mundo reforça ainda mais a ideia de que a China quer investir no mercado interno e evitar a importação de produtos de outros continentes".
Há, na opinião de Ana Fernandes, "uma perda na relação estratégica" entre África e China, com prejuízo para os países africanos.
Ainda assim, os números sobre o envolvimento chinês no continente são volumosos: "A China investe mais nas infraestruturas do que todos os outros, incluindo o Japão, que é o maior investidor da OCDE", disse a responsável, lamentando a falta de transparência e de dados fiáveis sobre o investimento chinês no continente.
"A China, em termos de ajuda pública ao desenvolvimento, contribuiu em 2019 com 4,8 a 7,9 mil milhões de dólares [4 a 6,7 mil milhões de euros], e se olharmos para os 4,8 mil milhões de dólares, fica ao nível da contribuição da Suécia, que é um dos maiores contribuintes, mas se considerarmos os 7,9 mil milhões de dólares, já está ao nível do Japão", explicou.
Isto, continuou, "é um sinal inequívoco de que a China quer investir mais numa relação de parceria internacional que vai para além da lógica de empréstimos concessionais e começar a ter impacto noutras áreas da cooperação, como a educação, o clima ou a segurança".
A forte aposta da China em África, no entanto, tem mudado ao longo dos últimos anos, e "tornou-se menos visível o que África ganha com essa relação", considerou a responsável da OCDE.
"Há uma relação de longo prazo, menos burocratizante e mais flexível, estando a China presente quando é necessário, mas há uma preocupação grande que a China queira dominar setores produtivos fundamentais, com o digital, que é fundamental para a democracia em África", argumentou.
África, concluiu, deve participar na próxima reunião de alto nível com a China "com uma agenda de solicitações e exigências sobre aquilo que é até agora percebido como 'win-win' [em que ambas as partes ganham com a relação], e não é claro qual é o 'win-win' desta relação, falta equilíbrio e as populações africanas começam a perceber isto".
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