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Reconhecimento pioneiro português da Argentina visava anexar o Uruguai

Historiadores argentinos consideram que o pioneiro reconhecimento de Portugal da independência da Argentina, há exatamente 200 anos, visava anexar o então território do Uruguai ao Brasil, que integrava o império português.

Reconhecimento pioneiro português da Argentina visava anexar o Uruguai
Notícias ao Minuto

13:07 - 28/07/21 por Lusa

Mundo História

"A principal razão para a decisão de Portugal de reconhecer a Independência da Argentina era a necessidade de legitimar a ocupação da faixa oriental do Rio da Prata, o atual Uruguai. Portugal sabia que as autoridades de Buenos Aires aprovavam secretamente essa invasão", disse à Lusa o historiador argentino, Guillermo Cao.

Ainda pelo lado português, o reconhecimento visava também vincular o Brasil aos novos países vizinhos que surgiam. Do lado interno argentino, o primeiro reconhecimento de uma potência europeia, permitia a Buenos Aires impor-se às restantes províncias que lhe disputavam o poder.

"Portugal precisava de resolver o conflito na região do Uruguai e para solucionar um conflito é necessário ter relação com a outra parte. Além disso, entre Buenos Aires e Portugal já havia uma relação de comércio", reforça o historiador argentino Roberto Azaretto.

"Portugal vivia uma transição em que o Rei (D. João VI) voltaria a Portugal e deixaria no Brasil o seu filho (D. Pedro I) como regente. Para isso, era necessário legitimar a invasão ao Uruguai para fechar esse conflito", acrescenta Cao.

Entre 1817 e 1820, Portugal avançou pelo atual território do Uruguai, incorporando-o ao Brasil e denominando-o Província Cisplatina.

A anexação fazia parte das "Províncias Unidas do Rio da Prata" ou "Províncias Unidas na América do Sul" resultante do antigo vice-reinado espanhol do Prata. Essas províncias, que formariam anos depois a Argentina, tinham declarado a independência em 1816 num frágil processo, ameaçado por uma reconquista espanhola. 

Ainda em 1820, disputas de poder entre as províncias tinham levado a região a uma guerra civil que enfraquecia ainda mais o processo. Buenos Aires, em sintonia com Portugal, era a favor de ceder o atual Uruguai ao Brasil, sobretudo porque a área era controlada pelo general José Artigas cujo comportamento imprevisível levava Buenos Aires a temer que o processo de independência fosse comprometido.

"O general San Martín (libertador da Argentina, Chile e Peru) considerava que, entre Artigas e os portugueses, o mal menor era Portugal", conta Roberto Azaretto.

Portugal "também vê na estratégia de reconhecer a Independência da Argentina uma forma de fortalecer Buenos Aires na disputa com as demais províncias", indica Guillermo Cao. 

As demais províncias, especialmente Santa Fé, Entre Ríos e Corrientes eram contra a presença portuguesa no lado uruguaio do Rio da Prata. Temiam que, uma vez consolidada a incorporação do Uruguai, o Brasil estabelecesse que a fronteira natural já não seria o rio Uruguai, mas o rio Paraná, incorporando também essas províncias argentinas ao território brasileiro. O rio Paraná nasce no Brasil, fortalecendo o argumento de uma anexação. 

"Esse era o maior temor. Se a fronteira natural era o rio Uruguai porque não podia ser o rio Paraná ?" -- questiona Cao.

"A aspiração de D. Pedro I era chegar ao rio Paraná e anexar essa região da Argentina", concorda Azaretto. 

O plano de Portugal com Buenos Aires como aliado resultou por quatro anos até que em 1825, a guerra contra o Brasil já independente (Império do Brasil), será causada por pressão das províncias que queriam recuperar o Uruguai.

Depois de três anos de guerra, em 1828, as partes aceitaram a posição inglesa de criar um país independente como a melhor opção para o conflito.

Portugal foi o primeiro país a reconhecer a independência da atual Argentina há exatamente 200 anos, mas a Argentina procurava que esse reconhecimento viesse primeiro dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha que só reconheceriam em 1822 e em 1825, respetivamente.

"A luta britânica contra Napoleão tinha estabelecido uma aliança entre Inglaterra e Espanha, impedindo que a Grã-Bretanha tomasse uma decisão imediata que prejudicasse os interesses espanhóis. Além disso, com as províncias em guerra civil até 1820, a Inglaterra desconfiava de um governo com o qual não pudesse assinar tratados", descreve Guillermo Cao.

"E pelo lado norte-americano, os Estados Unidos estavam a negociar a compra da Florida e também não queriam irritar os espanhóis em plena negociação", recorda Roberto Azaretto. 

"Nesse sentido, o reconhecimento de Portugal foi uma surpresa", destaca Cao.

"Não descarto que ter havido alguma influência inglesa, dando um sinal a Portugal para avançar", desconfia Azaretto, frisando que "a Casa Real de Bragança tinha uma percepção mais próxima do que acontecia no continente em que estava".

Em teoria, o primeiro país a reconhecer a independência da Argentina foi o Reino do Havai, em agosto de 1818. O corsário argentino Hipólito Bouchard foi recebido pelo Rei Kamehameha e aceitou assinar um tratado pelo qual reconhecia o novo país. 

"Esse corsário não estava autorizado a assinar tratados em nome do Governo das Províncias Unidas. Esse documento foi descoberto só em 1906 no Havai. A notícia desse reconhecimento não teve nenhuma incidência em Buenos Aires já que o Havai não tem nenhum peso nesta região", minimiza Guillermo Cao. 

"Ninguém no mundo dava importância a um reino considerado indígena. O Havai não era importante e Buenos Aires não procurou esse reconhecimento", diferencia Roberto Azaretto sobre a importância da decisão portuguesa à época. 

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