Afeganistão: Ocidente falhou e ONU deve avançar com atores regionais
A solução para o conflito afegão só pode passar por uma intervenção política concertada das Nações Unidas com outros países da região, uma vez que, 20 anos depois, o Ocidente não tem solução para a questão do Afeganistão.
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Mundo Afeganistão
A perceção é de dois especialistas portugueses em relações internacionais, Álvaro de Vasconcelos e José Adelino Maltês, que, em declarações à agência Lusa, destacaram o "falhanço" de 20 anos dos aliados ocidentais (Estados Unidos e Organização do Tratado do Atlântico Norte -- NATO) na resolução do conflito e, sobretudo, na edificação de um Estado.
"A conclusão que se pode tirar 20 anos depois, é que o Ocidente não tem solução para a questão do Afeganistão. Será que outros têm, ou a querem ter? É isso que a comunidade internacional, nomeadamente as Nações Unidas, devia tentar testar", sublinhou à Lusa Álvaro de Vasconcelos.
Para o antigo diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (2007/2012), o que resta da presença norte-americana e da comunidade internacional no Afeganistão, "além de uma despesa fabulosa, de triliões de dólares, de alguns milhares de mortes da coligação e de centenas de milhar de mortos afegãos" -- é um país que continua "extremamente dividido".
"Os talibãs continuam a ser uma força significativa, com capacidade para controlar uma parte do país. Não sabemos hoje se têm capacidade para controlar o país todo, mas a continuação da presença norte-americana e da comunidade internacional não iria alterar o fundamental das coisas", sustentou
Nesse sentido, defendeu, terá chegado a altura de outros atores internacionais, nomeadamente os regionais -- "o Paquistão, Índia, Irão e China têm um papel importantíssimo no Afeganistão" -- se envolverem no conflito, em concertação com as Nações Unidas.
"[Estes países] não estiveram envolvidos até hoje numa solução para a divisão profunda, para evitar a possibilidade de uma guerra civil e para a hipótese de um novo governo talibã, uma força obscurantista, mas claramente com o apoio de uma parte significativa da população, sobretudo rural", argumentou Álvaro de Vasconcelos.
"O Ocidente já provou que não é capaz de resolver o problema. O Paquistão, ator importantíssimo é um apoio significativo dos talibãs. A China tem uma influência enorme no Paquistão e vê, possivelmente, no Afeganistão, um caminho para uma ligação ao Irão e para uma presença ainda mais significativa na região. A Índia é um inimigo mortal do Paquistão, e vice-versa, e, de certa forma, o Afeganistão é um teatro de confronto regional", acrescentou.
Álvaro de Vasconcelos salientou que se continua a olhar para o mundo "com os olhos de Ocidente versus talibãs, versus obscurantismo, versus as forças do obscurantismo". "Não se encontra solução, nem os afegãos encontram solução".
"Os iranianos não olham com bons olhos para os talibãs, nunca olharam. Hoje os talibãs estão a tentar controlar as fronteiras todas do Afeganistão e isso inquieta o Irão. O Paquistão e a China vão ser muito mais decisivos que o Irão. O Paquistão é inimigo da Índia e isso é, fundamentalmente, um conflito entre a Índia e o Paquistão", opinou.
Por seu lado, José Adelino Maltês, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, lamenta que o "Euromundo" (o Ocidente) tenha tido "um problema de óculos", pois considerou que estava perante uma zona sem civilização.
"O que temos aqui é uma reação, que consideramos que é o Diabo, os talibãs, mas que revela que a Europa enfrentava o mundo sem perceber que esse mundo é uma bola. O que acontece no Afeganistão é que não foram civilizados de acordo com o conceito ocidental. Sofremos as consequências de um falhanço cultural, que é, sobretudo um problema antropológico", sustentou.
"O que falhou aqui foram conselheiros antropológicos fundamentais na principal potência do nosso lado, os norte-americanos. Há erros culturais básicos. Seja qual for o resultado, o que revela é que perdemos. Isto é uma derrota. Não basta estender o poder militar, porque este só vence se tiver uma capacidade de atração cultural. No Afeganistão não tem, no Irão não tem", acrescentou.
Admitindo que, no plano militar, é "inevitável" que os talibãs acabem por conquistar todo o Afeganistão, Adelino Maltês ironizou com o facto de o Ocidente ter pensado que, tal como num filme de Hollywood, uma intervenção militar musculada permitiria ultrapassar rapidamente a situação.
A este propósito, Álvaro de Vasconcelos lembrou como a União Soviética foi derrotada no conflito com o Afeganistão (1979/1989).
"Foi derrotada por uma parte dos afegãos de uma sociedade patriarcal que não aceitou a presença soviética, que encontrou no Paquistão, nos Estados Unidos, nos talibãs, em todo esse movimento 'jihadista' que foi desenvolvido contra os soviéticos, os 'freedom fighters' de [o antigo Presidente dos Estados Unidos, Ronald] Reagan [1981/89], que tornaram o Afeganistão num vespeiro para os soviéticos", observou.
"É um povo que tem uma longa e enorme tradição guerreira. Basta pensarmos só no tempo da União Soviética até hoje, os anos que já estão em guerra. E a guerra é a profissão de muita gente. Estão dispostos a lutar e têm demonstrado isso", acrescentou.
Adelino Maltês considerou, por outro lado, ter sido um erro "clamoroso" a saída dos Estados Unidos e da NATO do Afeganistão, o que, no seu entender, constitui "uma derrota para o Ocidente" e cujo desfecho, defendeu, vai desenvolver-se agora mais no plano regional do que com interferência de Moscovo ou de Washington.
"O 'Euromundo' deve agora fazer uma reflexão para saber onde pode entrar com poder militar, económico e cultural. O plano da estratégia falhou sempre. Nunca houve o relatório completo sobre a capacidade de expandir o poder cultural e dialogar com várias partes do mundo que querem seguir os seus próprios caminhos", afirmou.
"É mau para o 'Euromundo' porque revela o desprestígio da força mais importante do Ocidente. Teria gostado mais que os Estados Unidos não tivessem saído a toque de caixa", afirmou.
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