"O balanço do país não é de todo ainda positivo, por causa do próprio processo, por causa do contexto que o país vem há já muitos anos atravessando e que exige também um processo gradual para poder sair de todo este imbróglio", afirmou à agência Lusa o analista político.
Rui Jorge Semedo destaca como aspetos positivos do ano que agora termina a melhoria de algumas infraestruturas, incluindo estradas, e a "reconstrução" da imagem do país, salientando as visitas oficiais feitas pelo chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló, à União Europeia, França e ao Brasil, durante a qual foram assinados acordos no domínio da saúde, educação e militar.
"No aspeto político, o país está ainda um pouco enrolado, difícil, tendo em conta a disputa que já vinha das últimas eleições presidenciais, mas também legislativas", salientou o analista.
Para Rui Jorge Semedo, nos últimos meses houve algumas situações que marcaram o aumento da tensão política, principalmente no seio da aliança que está atualmente no poder no país e que apoiou a eleição do atual chefe de Estado.
Uma delas foram as declarações feitas em meados do ano pelo líder do Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), Braima Camará, que se demarcou publicamente da forma como o chefe de Estado estava a exercer o seu poder.
"Agudizou-se com a comissão política, onde houve acusações de que havia pessoas que estavam a tentar trair partido em benefício do Presidente da República. As coisas ficaram mais evidentes com a criação de uma nova formação política com a qual o Presidente poderá ter alguma relação", disse o analista político.
Rui Jorge Semedo referia-se ao anúncio de criação de um partido político promovido pelo atual ministro do Interior, Botché Candé.
Outra situação que tem contribuído para o aumento da tensão política, refere o analista, são as dificuldades do chefe de Estado na "interpretação da Constituição da República, o que o fez muitas vezes pisar a legitimidade que é por lei da competência de outros órgãos de soberania".
"O Presidente insiste em mudar o nosso modelo político de semipresidencialismo para presidencialismo, intenção que não caiu bem no cenário político guineense, porque praticamente todos os partidos não se encaixam na visão do Presidente da República", salientou.
A ameaça de dissolver o parlamento e a relação de cooperação com o Senegal também têm sido motivo de discórdia.
"Do ponto de vista da relação pessoal, os dois presidentes têm dado sinal de entendimento, mas do ponto de vista institucional há uma discordância, há um atrofiamento nessa linha, porque da parte guineense não se percebe o envolvimento de outros poderes, de outros órgãos de soberania no desenvolvimento dessa relação", disse.
Rui Jorge Semedo deu o exemplo da presença das forças armadas senegalesas numa região da Guiné-Bissau sem que isso fosse oficialmente comunicado.
"São estes elementos que levam a disputas entre parlamento e a Presidência da República", afirmou.
"Para piorar, o país voltou a projetar a sua imagem pela negativa com a chegada de um avião de proveniência duvidosa", acrescentou.
O primeiro-ministro guineense, Nuno Gomes Nabiam, mandou reter em novembro um avião no aeroporto internacional de Bissau, que terá aterrado no país a pedido da Presidência guineense.
Nuno Gomes Nabiam decidiu impedir o avião de sair do país e anunciou uma investigação externa, pedindo apoio da comunidade internacional.
"Estes elementos, embora ainda não tenham um impacto muito forte, que resultem na queda do Governo ou parlamento, são indicadores preocupantes que podem contribuir para projetar o país para situações mais desagradáveis no próximo ano", afirmou.
"O ano está a acabar com esta tensão e demonstração de força", disse.
O ano ficou também marcado pelas sucessivas greves gerais marcadas pela União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (UNTG), principal confederação sindical, que reclama, entre vários pontos, o aumento do ordenado mínimo no país de 50.000 francos cfa (cerca de 75 euros) para 100.000 francos cfa (cerca de 150 euros).
A paralisação está a afetar principalmente os setores da saúde e educação.
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