Ordenada extinção da principal organização de direitos humanos russa

O Supremo Tribunal da Rússia ordenou hoje a dissolução da Memorial, a principal organização de direitos humanos do país e guardiã da memória das vítimas dos campos de trabalhos forçados soviéticos.

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Lusa
28/12/2021 11:25 ‧ 28/12/2021 por Lusa

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A decisão corresponde a um pedido do Ministério Público russo, que acusou a organização não-governamental (ONG) de criar "uma falsa imagem da União Soviética como Estado terrorista".

"A decisão é de liquidar a Memorial International e as suas filiais regionais", anunciou a ONG na aplicação de mensagens Telegram, segundo a agência de notícias France-Presse (AFP).

Momentos antes, a juíza Alla Nazarova tinha anunciado que "concordava com o pedido do procurador" de dissolver a ONG.

O tribunal alegou o incumprimento de obrigações decorrentes do estatuto de "agente estrangeiro" atribuído à organização em 2016.

Este estatuto -- que faz lembrar o de "inimigo do povo" usado na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), segundo a AFP -- designa indivíduos ou organizações que as autoridades russas dizem ser financiados a partir de países estrangeiros.

O procurador Alexei Zhafyarov acusou a Memorial de distorcer a memória da vitória sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial (1941-45) e de reabilitar os criminosos nazis, "em cujas mãos está o sangue dos cidadãos soviéticos".

"Porque deveríamos nós, os descendentes dos vencedores, observar agora tentativas de reabilitar os traidores à pátria e cúmplices nazis? (...) Certamente porque alguém está a pagar por isso", disse o procurador, citado pela agência espanhola EFE.

"Vergonha!", foi o grito que se ouviu fora do edifício do Supremo Tribunal, onde cerca de uma centena de pessoas se reuniram para apoiar a ONG, segundo a EFE.

Antes do anúncio da decisão, o defensor da Memorial, o advogado veterano Guenri Reznik, disse que a acusação estava ciente de que a sua pretensão era "infundada e ilegal", e avisou que o julgamento era "um teste aos valores que determinam a vida num Estado de direito".

Reznik disse ainda que iria recorrer de uma condenação e, se necessário, para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

"Esta é uma decisão perversa e injusta", disse a também advogada de defesa Maria Eïsmont, citada pela AFP.

A Memorial tem vindo a investigar as purgas soviéticas há mais de 30 anos e está a documentar repressões recentes, incluindo as do regime do Presidente Vladimir Putin.

"A liquidação da Memorial International envia a Rússia de volta ao seu passado, e aumenta o perigo de [novas] repressões", disse Maria Eïsmont em tribunal, citada pela AFP.

Os problemas legais da Memorial não terminam com a decisão de hoje, já que está agendada uma audiência em tribunal para quarta-feira, sobre a dissolução do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da ONG.

Os advogados da ONG têm denunciado a perseguição como infundada, desproporcionada e política.

Na segunda-feira, um dos historiadores da ONG, Yuri Dmitriev, foi condenado a 15 anos de prisão por um caso de "agressão sexual", que denunciou como uma armadilha para o castigar pela sua investigação sobre o terror soviético.

Os problemas da Memorial ilustram o choque entre duas visões da História russa, 30 anos após o desmembramento da URSS, descrita por Putin como "a maior catástrofe geopolítica" do século XX.

Para os seus defensores, está agora sujeita à promoção por Putin de uma visão da História que glorifica o poder da URSS e minimiza os excessos do estalinismo.

Fundada no crepúsculo da URSS por dissidentes, incluindo o Prémio Nobel da Paz Andrei Sakharov, a ONG engloba atualmente mais de 50 grupos mais pequenos na Rússia e no estrangeiro.

A Memorial é uma das últimas visadas de uma longa lista de ONG, opositores e meios de comunicação social a serem processados nos últimos meses, segundo a AFP.

Em 2009, a dirigente da Memorial na Chechénia, Natalya Estemirova, foi raptada e executada.

No início deste ano, as autoridades russas condenaram o opositor Alexei Navalny, caracterizado como o adversário "número um" do regime, a uma pena de dois anos e meio de prisão.

Leia Também: Tribunal aumentou pena de prisão de investigador das purgas de Estaline

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