Olaf Scholz terá de gerir sensibilidades dentro e fora da Alemanha

A capacidade de gerir sensibilidades diferentes numa Alemanha habituada à estabilidade é um dos desafios de Olaf Scholz referidos por analistas ouvidos pela Lusa, mas é no plano externo que antecipam mais dificuldades ao novo chanceler alemão.

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Lusa
08/01/2022 09:29 ‧ 08/01/2022 por Lusa

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Olaf Scholz tomou posse há um mês, tornando-se o nono chanceler da Alemanha desde 1949, após o consulado de 16 anos da conservadora Angela Merkel.

Aos 64 anos, chefia o Governo da "coligação semáforo", assim chamada pelas cores dos partidos que a integram: o vermelho dos sociais-democratas do SPD, a cor óbvia dos Verdes e o amarelo dos liberais do FDP.

É na capacidade de "fazer a síntese das diferentes sensibilidades" dessa coligação que o especialista em assuntos europeus Paulo Vila Maior vê o principal desafio interno de Scholz, além do "peso" de suceder a Merkel.

"É uma coligação que reúne partidos que, do ponto de vista ideológico e do seu posicionamento perante os assuntos contemporâneos, no plano geopolítico e no plano económico, têm abordagens que são algo divergentes", disse.

No entanto, o professor da Universidade Fernando Pessoa, do Porto, destacou que, apesar das diferenças, "foi possível chegar a um acordo, o que mostra que partidos de diferentes sensibilidades político-ideológicas podem formular um programa de Governo, desde que haja vontade para isso".

A especialista em política externa alemã Patricia Daehnhardt destacou a pandemia de covid-19 como o principal desafio imediato do novo Governo, que pretende "alcançar mais 30 milhões de vacinações até ao final de janeiro".

Como tarefas "mais urgentes", referiu a necessidade de atenuar o impacto económico da pandemia e de proceder "à transição energética e à transformação digital da economia".

"O desafio será garantir que os planos de investimento da agenda progressista, incluindo sobre o clima, sejam financiados de uma forma eficaz através de medidas concretas e imediatas", disse a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (IPRI -- NOVA).

No plano externo, Carlos Gaspar, membro da direção e investigador do mesmo instituto, chamou a atenção para a "grande ausência da Alemanha do processo diplomático" na crise na Ucrânia, ao contrário de 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia.

O especialista em relações internacionais considerou que, por um lado, Moscovo quis fazer uma demonstração de uma "paridade de estatuto entre a Rússia e a China nas relações com os Estados Unidos", pelo que propôs acordos bilaterais com Washington e com a NATO para as conversações da próxima semana.

Por outro lado, admitiu que a ausência da Alemanha tenha a ver com a sua dificuldade em atuar em questões que envolvam uma mobilização militar por prevalecer no país a "teoria geral da potência civil", que privilegia os "instrumentos económicos e diplomáticos".

Nesse âmbito, lembrou que a Alemanha tem no gasoduto Nord Stream 2 o "principal instrumento de pressão contra a Rússia que qualquer das partes pelo lado ocidental pode ter" e recordou que, em 2014, os fornecimentos energéticos russos não impediram as sanções económicas.

Patricia Daehnhardt disse esperar que Berlim exerça um "papel fundamental" na resposta da NATO às propostas de Vladimir Putin para que a Aliança Atlântica retire as suas forças para as posições que ocupava em 1997, que "visam restabelecer uma zona de influência" semelhante à situação anterior.

Aceitar a proposta de Putin "significaria aceitar a alteração da ordem europeia e transatlântica do pós-Guerra Fria que tanto beneficiou a Alemanha e corresponderia a um sério revés para a NATO", disse.

A investigadora do IPRI considerou que a reunião extraordinária de sexta-feira dos chefes da diplomacia da NATO "mostra a gravidade da situação e o desafio, para o Governo de Scholz, em gerir as posições divergentes quanto à Rússia na Ucrânia, por um lado, e ao gasoduto Nordstream 2, por outro".

Na relação com a Rússia, Paulo Vila Maior manifestou expectativa em relação à influência que a nova ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, dos Verdes, poderá ter numa maior exigência em matéria de direitos humanos, tal como em relação à China.

Patricia Daehnhardt também admitiu alterações em relação a Pequim "no tom e nas ações" relativamente a Merkel, mas alertou para o desafio de "coordenar a política da China com os parceiros europeus e principalmente com a administração Biden, que quer uma política transatlântica" para o gigante asiático.

Além disso, referiu, o novo Governo terá de conciliar uma "política mais assertiva e coordenada face à China" com os interesses económicos alemães no país asiático.

Para Carlos Gaspar, a China poderá ser um desafio para a coligação, dadas as posições mais críticas de Verdes e liberais, e é uma questão que "vai ser posta à prova nas decisões sobre o 5G", além de ser "fundamental na relação com os Estados Unidos".

Na União Europeia (UE), Paulo Vila Maior referiu a dúvida sobre se a Alemanha "vai continuar a ser fiel" à disciplina orçamental dentro da União Económica e Monetária.

"Falta saber se Scholz, que tem uma matriz social-democrata, terá alguma abertura a uma certa flexibilização", disse.

Paulo Vila Maior admitiu que a França poderá procurar apoios de países como Itália ou Espanha para contrabalançar o peso alemão na UE, mas considerou pouco provável que a Alemanha ceda terreno, apesar do caráter inédito da coligação.

"Custa-me muito a crer que uma coligação de partidos com esta natureza perca a oportunidade de continuar a ser um dos líderes informais da União Europeia", acrescentou.

Carlos Gaspar também duvida que a "França consiga impor as suas posições à Alemanha" e considerou que o eixo franco-italiano "não é uma alternativa à preponderância alemã na União Europeia".

E lembrou que a França conseguiu inscrever o nuclear no projeto da lista de energias sustentáveis da Comissão Europeia, a que os alemães se opõem, tal como a Alemanha garantiu o gás.

"Há uma divergência clara entre a Alemanha e a França numa das questões cruciais para o programa de reindustrialização e de recuperação económica europeia", notou.

Em matéria de defesa -- o tema do programa da presidência francesa do Conselho Europeu para a cimeira de abril - também há "posições completamente divergentes", assinalou Carlos Gaspar.

"A França quer um exército europeu e autonomia estratégica europeia, e vai insistir nessa matéria, e o contrato de coligação da Alemanha fala em soberania estratégica europeia, mas não quer um exército europeu", explicou.

Entre os desafios externos, Patricia Daehnhardt referiu ainda que o novo Governo "terá de assegurar o sucesso da presidência do G7", que a Alemanha assumiu em 01 de janeiro.

"Toda esta constelação de fatores levanta muitos enigmas que só o futuro nos poderá revelar", concluiu Paulo Vila Maior.

Leia Também: Xi pede a Scholz que ajude a estabilizar as relações China-UE

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