Pressionado a demitir-se pela oposição e por deputados do Partido Conservador, Boris Johnson pediu "paciência" até ao fim do inquérito "para que todos os factos possam ser apurados", prometendo uma resposta no Parlamento sobre as consequências.
A manobra foi uma tentativa para ganhar tempo e controlar a situação, mas a pressão continua.
Na quarta-feira, o deputado eleito pelo Partido Conservador Christian Wakeford "desertou" para os Trabalhistas e o eurocético David Davis pediu a Johnson: "Por amor de Deus, saia".
Outros críticos ou indecisos terão decidido esperar pelo resultado do inquérito ao chamado "Partygate" conduzido por Sue Gray, uma funcionária pública de nível superior, secretária-geral adjunta do Ministério do Nivelamento, Habitação e Comunidades.
Gray foi encarregada da investigação depois de o secretário do Conselho de Ministros, Simon Case, se ter escusado por alegadamente ter participado numa das "festas".
Anteriormente diretora-geral de Protocolo e Ética também no Governo, entre 2012 e 2018, tem sido descrita por membros do Executivo como "íntegra e honrada" e "conduziu investigações anteriores com rigor e vigor", para legitimar o relatório final.
Porém, vinca à Agência Lusa Jill Rutter, antiga funcionária pública e investigadora no centro de estudos UK in a Changing Europe, o inquérito "não vai fazer uma apreciação sobre o primeiro-ministro".
"O que é mais perigoso para o primeiro-ministro é se o relatório deixar claro que ele sabia que os eventos eram festas e que foi avisado de que eles infringiam as regras em vigor na época. Isso mostraria que ele enganou a Câmara dos Comuns, o que é uma clara violação do código ministerial", acrescentou.
Mentir propositadamente no Parlamento é considerada uma violação das normas de conduta dos ministros e motivo para demissão e seria mais um motivo uma moção de censura interna.
Alex de Ruyter, diretor do Centro de Estudos sobre o Brexit da Universidade de Birmingham, também duvida que o relatório seja categórico sobre se as regras foram ou não violadas.
"Francamente, seria inconcebível que Gray entregasse quaisquer conclusões que condenassem o próprio chefe", disse à Lusa, pelo que "o primeiro-ministro espera claramente que as pessoas sigam em frente e esqueçam" o assunto.
O 'Partygate' estalou em dezembro, quando foram reveladas as primeiras "festas de Natal" em 2020 em Downing Street, durante o confinamento, e divulgado um vídeo com assessores, incluindo a antiga porta-voz Alegra Stratton, a falarem de uma festa num tom divertido.
As notícias sobre outras festas continuaram em janeiro, incluindo uma onde Johnson esteve presente, em maio de 2020 nos jardins de Downing Street, residência oficial do chefe do Governo, e outras duas em 16 de abril, véspera do funeral e durante o luto nacional pela morte do príncipe Filipe, marido da rainha Isabel II.
Em maio de 2020 só era possível encontrar uma pessoa de outro agregado familiar num local público ao ar livre com a condição de ficarem a dois metros de distância, mas o secretário particular de Boris Johnson, Martin Reynolds, enviou um email a cerca de 100 funcionários, convidando-os para umas "bebidas com distanciamento social".
"Juntem-se a nós a partir das 18:00 e tragam as vossas próprias bebidas", concluía a mensagem, claramente um sinal de que no encontro não se iria apenas falar de trabalho.
Depois de inicialmente negar a realização de qualquer festa, argumentando que se trataram de "eventos de trabalho", e de insistir que as "todas as regras foram cumpridas", Boris Johnson acabou por se desculpar aos deputados e à rainha.
Ainda que "tecnicamente se pudesse dizer que se enquadrava nas regras, existem milhões e milhões de pessoas que simplesmente não pensam desta forma", argumentou, pedindo "desculpas sinceras".
Mas a sua linha de defesa pode cair se ficar provado que foi avisado sobre a ilegitimidade da festa, como disse o antigo braço-direito Dominic Cummings, o que Johnson desmentiu.
A crise de confiança e luta para sobreviver na liderança do Partido Conservador é agravada por sondagens que indicam ter sido ultrapassado em mais de 10 pontos percentuais nas intenções de voto pelo Partido Trabalhista, a principal força da oposição.
Mesmo que as conclusões do inquérito não sejam claras sobre o comportamento de Boris Johnson, vinca Rutter, os deputados Conservadores podem entender que Boris Johnson deixou instalar "uma cultura [no Governo] onde ninguém pensava que as regras se aplicavam a eles" e avançar para uma moção de censura.
Para desencadear uma moção de censura no Partido, é necessário que 54 deputados, 15% do grupo parlamentar, formalizem o apoio.
"Alguns deputados nunca apoiaram Johnson ou agora decidiram que ele simplesmente não é um bom primeiro-ministro, ou que desiludiu o país e o partido. Mas outros vão fazer um cálculo baseado sobre se o carisma eleitoral dele azedou", afirma Jill Rutter.
A maioria dos 359 deputados precisa de votar para Johnson ser derrubado e desencadear uma eleição na liderança dos 'tories'. Se sobreviver, as regras determinam que, durante 12 meses fica livre de nova impugnação, pelo que os deputados poderão deixar o líder de sobreaviso.
"É difícil prever como é que esta farsa vai evoluir porque há muitos fatores em jogo e a situação está sujeita a mudar", admite Alex de Ruyter.
Porém, este académico acredita que "a raiva pública persistirá e as eleições locais de maio serão um banho de sangue para os conservadores".
"Pode muito bem ser nessa altura que um número suficiente dos seus deputados se volte contra ele", afirma.
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