"O processo foi fácil. Precisei de três ou quatro papéis e está certo", começou por explicar à Lusa este imigrante guineense na Boa Vista, até agora ilegal, atualmente com 49 anos e trabalhador no setor do turismo.
Deixou para trás mulher e quatro filhos, "à procura de uma nova vida" e sobretudo trabalho em Cabo Verde, apesar da situação ilegal em que vive desde 2011.
"Agora fica resolvido. Ficou tudo bem e foi rápido", acrescentou Causo Camará, admitindo a vontade de, logo depois de ter o título de residente, trazer a família.
Os imigrantes em situação irregular em Cabo Verde podem apresentar desde 15 de janeiro um pedido de regularização extraordinária, processo simplificado ao nível da documentação exigida e que vai decorrer exclusivamente por via eletrónica até 15 de junho.
Embora as autoridades cabo-verdianas não apresentem números oficiais, estima-se que a ilha da Boa Vista seja das que apresentam maior número de imigrantes em situação irregular, nomeadamente da Guiné-Bissau, que trabalham na construção ou na hotelaria, a maior comunidade estrangeira no arquipélago.
Em apenas 15 dias, já foram recebidos pela plataforma criada para o efeito, em https://e-residencia.gov.cv/, única forma de aceder ao processo, cerca de 600 pedidos de regularização, dos quais 60 oriundos da Boa Vista, avançou à Lusa a presidente da Comissão Nacional de Regularização Extraordinária, Eneida Vaz.
"Acho que a adesão tem sido muito boa, têm pedido imensas informações, têm recorrido às associações, às estruturas locais, têm acedido ao site (...) A título apenas de referência, temos registado acessos ao site, cerca de 600 pedidos, no total, aqui na Boa Vista temos cerca de 60", revelou a responsável, após reunir-se nos últimos dias com os imigrantes locais.
Conforme legislação aprovada no final de 2021, os cidadãos que requeiram a regularização extraordinária ficam isentos do processo contraordenacional que possa existir, e consequentemente não serão aplicadas coimas. O foco principal deste período de regularização extraordinária de imigrantes serão cidadãos estrangeiros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), mas cidadãos de qualquer outra nacionalidade também podem aceder a este processo de legalização.
"Agora, o processo está muito mais facilitado. Acho que há vários pontos que ajudam, a nível de documentação, de burocracia. Menos documentação, mais facilidade para tratar a documentação, algumas documentações dos países de origem que já não são solicitadas. O custo do processo é muito mais baixo e sem esquecer a parte informática", sublinhou Ineida Vaz.
A responsável acrescentou que para "apoiar" este processo, em eventuais dificuldades de alguns cidadãos, foram criadas "estruturais locais", mas a submissão da documentação será obrigatoriamente feita através do portal.
"Aqueles que não conseguem ter acesso aos equipamentos informáticos, ou seja, de que forma for têm as estruturas locais em todos os concelhos, com a parceria da Cruz Vermelha e da Alta Autoridade para a Imigração, das representações diplomáticas", garantiu.
De acordo com Eneida Vaz, as autoridades cabo-verdianas não dispõem de uma estimativa atualizada sobre imigrantes em situação irregular no país: "Eles não são os mesmos em diferentes estudos que temos feito".
Em entrevista à Lusa, o presidente da Plataforma das Comunidades Africanas em Cabo Verde, José Viana, destaca o processo de regularização agora em curso como uma das "mais importantes" medidas de "integração e inclusão social dos imigrantes", muitos dos quais explorados devido à falta de documentação.
"Porque condiciona a integração e inclusão social dos imigrantes em Cabo Verde. É uma forma de valorizar o seu contributo para Cabo Verde, de se valorizarem como pessoas, dar a dignidade que merecem e garantir os seus direitos", afirmou.
De acordo com o dirigente, a plataforma aponta para 15.000 imigrantes africanos "em situação de ilegalidade" em Cabo Verde, grande parte dos quais guineenses.
"A comunidade da Guiné-Bissau está em maior número, ao nível das ilhas com maior população de imigrantes, e é a mais afetada pela falta de documentos, precisamente o título de residência. Então, temos que apoiar e usar toda a nossa influência para que acorram a esse processo de regularização", apelou José Viana.
"Não podemos deixar ninguém de fora, sem a legalização em Cabo Verde", apelou, sobre o processo que se prolonga até 15 de junho.
De acordo com o Governo cabo-verdiano, esta medida visa facilitar o processo de atribuição de autorização de residência temporária ou a sua renovação aos estrangeiros que estejam a residir no país de forma continuada há pelo menos um ano.
O processo individual tem o custo de 1.500 escudos (13,70 euros), a que acrescem 500 escudos (4,50 euros) por cada membro do agregado familiar.
O Governo cabo-verdiano flexibilizou ainda as exigências e os documentos passarão a ser apenas o de identificação nacional, o registo criminal de Cabo Verde, cadastro policial e o comprovativo da situação económica.
Este processo é coordenado pela Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária dos imigrantes, integrada pela Direção Geral da Administração Interna, pela Alta Autoridade para a Imigração, pela Direção de Estrangeiros e Fronteiras, pela Direção Geral dos Assuntos Consulares e Migrações.
Os últimos disponíveis do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) referem que Cabo Verde tinha em 2018 cerca de 18 mil imigrantes legalizados, correspondente a cerca de 3% da população total, na sua maioria africanos.
Muitos outros estrangeiros ainda não estão legalizados e reclamam de burocracia e demora na obtenção de documentação para regularização da sua permanência, naquele que é um dos maiores problemas que enfrentam no país.
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