Com família e amigos sob fogo, ucranianos pedem em Lisboa fim da guerra
De corpo presente frente à embaixada da Rússia, muitos manifestantes tinham hoje o pensamento nos familiares e amigos debaixo de fogo na Ucrânia, que esta noite dormem em arrecadações e no metro, porque "o mundo nada fez para o impedir".
© Getty Images
Mundo Guerra na Ucrânia
Olga, que mal consegue evitar as lágrimas, não perdoa ao mundo a inação.
"Esperava que o mundo ajudasse antes de alguma coisa acontecer. A verdade é que as nossas famílias hoje vão dormir nas arrecadações, no metro, com crianças, com animais. Isto é um terror que vocês não imaginam", disse à Lusa a ucraniana, que está em Portugal desde o verão passado, que tem família em Kiev, "familiares e amigos por todo o lado na Ucrânia".
Nem a terra de origem Olga sabe se pode continuar a dizer que é sua.
"Sou de Donetsk. Já perdi uma terra do meu país. E agora o quê, vou perder a terra completa? Isto não é normal. Isto é o século XXI", disse a manifestante ucraniana, que diz que da Ucrânia família e amigos lhe dizem que estão à espera de um novo ataque, que morreram crianças.
"Isto é inimaginável", disse, transtornada.
De Portugal e da comunidade internacional a jovem ucraniana espera coisas muito concretas: "Suporte (apoio). Sanções. Atos. Não espero isto", disse apontando para o seu cartaz, no qual acusa "facilitadores e apaziguadores" de terem "sangue nas mãos" nesta invasão russa.
Centenas de ucranianos concentraram-se ao final da tarde junto à Embaixada da Rússia em Lisboa, em protesto contra a invasão da Ucrânia e a pedir o fim da guerra.
Os manifestantes entoaram palavras de ordem em ucraniano e exibem cartazes onde se lê "stop war" (parem a guerra), "stand with Ukraine" (apoiem a Ucrânia), "Ukraine will resist" (Ucrânia resistirá).
Discreta, numa das pontas da primeira linha de manifestantes colados às baias de contenção que impedem uma aproximação à embaixada da Rússia a dezenas de metros, a embaixadora ucraniana em Portugal, Inna Ohnivets, disse à Lusa que marcou presença "em solidariedade" com os manifestantes, mas também para pedir a solidariedade do mundo para a Ucrânia e a sua atual "situação trágica".
Agradecendo o apoio de Portugal ao povo ucraniano, já depois de esta tarde ter estado reunida com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a diplomata insistiu na necessidade de "sanções severas contra a Rússia", nomeadamente a sua exclusão do sistema de pagamentos bancários SWIFT, mas pediu sobretudo apoio militar, em defesa da Ucrânia, mas também da Europa.
"Claro que gostaríamos de receber apoio militar. A Ucrânia não é membro da NATO; mas precisamos de apoio, porque se a Rússia vai ocupar a Ucrânia, vai continuar a invadir outros países e os países membros da NATO, da União Europeia. Por isso precisamos de parar [a Rússia]", disse Inna Ohnivets.
Sobre os protestos antiguerra em Moscovo e em São Petersburgo, a diplomata ucraniana defendeu que "os manifestantes que mostram a sua posição apoiam a liberdade", insistindo que a intenção da Ucrânia é manter-se ao lado das democracias e aderir, no futuro, à NATO e à União Europeia.
"A Ucrânia é parte do mundo ocidental e não quer ser uma colónia da Rússia", disse.
Pavlo Sadokha, presidente da Associação de Ucranianos em Portugal, pede a Portugal e à comunidade internacional apoio militar "para conseguir travar os bombardeamentos" e "segurar a vida [sic)" dos ucranianos nas grandes cidades sob ataque.
Pede também sanções "tão duras e eficazes que possam mesmo travar Putin e permitir a cada cidadão russo perceber que alguma está muito errada no país deles" e ajuda para salvar a vida de idosos, crianças e deficientes, incapazes de se valer no contexto de guerra.
Sobre este último ponto, a sua visão é muito pessoal.
"Desde a notícia do ataque às 04:00 tento convencer o meu pai, que tem 86 anos, a sair da Ucrânia. Ele não quer, chora, diz que sobreviveu à 2.ª Guerra Mundial quando era criança, não quer deixar a Ucrânia. Não sei o que fazer para o convencer, mas tenho que fazer alguma coisa, porque sabemos que neste momento de luta pelo nosso país as pessoas com deficiência, as pessoas de idade, têm que ser evacuadas [sic] de zonas perigosas. Isto é mais um problema para defender o país", disse.
Estão já agendadas reuniões com a Câmara Municipal de Lisboa e com o Alto Comissariado para as Migrações para discutir questões logísticas relacionadas com o acolhimento de refugiados vindos da Ucrânia, adiantou Sadokha.
Pavlo Sadokha, presidente da associação que convocou o protesto desta tarde frente à embaixada russa, disse que nem ele nem os ucranianos foram surpreendidos pela guerra.
"Os ucranianos já estavam preparados para isto. Já se fala disto não apenas há três semanas, mas desde 2014. O objetivo de Putin é acabar com a Ucrânia como país, acabar com os ucranianos, quer desnacionalizar o país. É como matar todos os ucranianos, todos os que falam ucraniano, todos os que se sintam ucranianos. Isso é um perigo real que todos já perceberam, mas as pessoas estão irritadas na Ucrânia e vão defender até à última o seu país. Isto não passa, nós não nos vamos render", disse.
Para Pavlo Sadokha o diálogo e a negociação dificilmente serão a resposta para o conflito.
"Sei que alguns políticos, até no estrangeiro, querem continuar a negociar com Putin para encontrar compromissos. Quais compromissos podemos encontrar com uma pessoa que quer matar toda uma nação? Isso parece o século passado, quando o mundo queria negociar com Hitler. Nós temos de parar um novo Hitler no século XXI", disse o responsável, que atrás de si tinha uma um desenho de Putin, caricaturado de Hitler.
Aos expatriados, como os que hoje se manifestaram, cabe lutar contra "a desinformação da propaganda russa", mostrar o que é viver em países democráticos, tolerantes e em paz, disse Sadokha, que pede aos portugueses que ajudem a garantir aos ucranianos o seu direito à vida.
A Rússia lançou hoje de madrugada uma ofensiva militar em território da Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, que já provocou pelo menos meia centena de mortos, 10 dos quais civis, em território ucraniano, segundo Kiev.
O Presidente russo, Vladimir Putin, disse que a "operação militar especial" na Ucrânia visa "desmilitarizar e desnazificar" o seu vizinho e que era a única maneira de o país se defender, precisando o Kremlin que a ofensiva durará o tempo necessário, dependendo dos seus "resultados" e "relevância".
O ataque foi de imediato condenado pela generalidade da comunidade internacional e motivou reuniões de emergência de vários governos, incluindo o português, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), União Europeia (UE) e Conselho de Segurança da ONU.
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