Agendada há muito pela atual presidência francesa do Conselho da União Europeia (UE), esta cimeira era dedicada integralmente ao "novo modelo europeu de crescimento e investimento", mas a invasão da Ucrânia pela Rússia, há duas semanas, e as consequências do conflito militar para o bloco europeu impuseram inevitavelmente alterações na ordem de trabalhos do encontro, que já não será exclusivamente de cariz económico.
Os líderes dos 27, entre os quais o primeiro-ministro António Costa, vão designadamente discutir, no histórico Palácio de Versalhes, formas de reduzir a dependência europeia do petróleo e do gás russo e como lidar com o aumento dos preços da energia.
O encontro também será focado no reforço das capacidades de defesa da UE, a duas semanas do Conselho Europeu formal, de 24 e 25 de março em Bruxelas, no qual é esperada a adoção da "Bússola Estratégica", o documento orientador da nova política europeia de defesa e segurança.
"Este conflito e as suas consequências estarão no centro da nossa reunião informal em Versalhes, a 10 e 11 de março, que o Presidente [francês, Emmanuel] Macron terá a amabilidade de acolher", referiu o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, na tradicional carta-convite dirigida aos líderes.
Lembrando que, "nos últimos anos, confrontados com múltiplas crises e desafios", os 27 comprometeram-se a trabalhar juntos "numa ambiciosa agenda estratégica", Charles Michel sustentou que, "à luz dos recentes acontecimentos, é mais urgente do que nunca" que a UE dê "passos decisivos" para a construção da sua soberania, reduzindo as suas dependências, e concebendo um novo modelo de crescimento e investimento, o tema original da cimeira e que se mantém desta forma na agenda, associado à nova realidade.
Na mesma missiva, o presidente do Conselho Europeu dá conta do seu desejo de que os líderes europeus se concentrem em três questões essenciais: "o reforço das capacidades de defesa" da União, "a redução da dependência energética, em particular do gás, petróleo e carvão russos", e, por fim, a construção de "uma base económica mais robusta", no horizonte até 2030.
O primeiro dia de trabalhos, hoje, será então consagrado à "situação na Ucrânia, bem como à defesa e energia", enquanto na sexta-feira os 27 debaterão o novo modelo de crescimento e investimento, juntamente com a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, e com o presidente do Eurogrupo, Paschal Donohoe, numa discussão também ela ensombrada pela guerra, face ao receio de uma nova deterioração da economia europeia, também à luz do efeito "ricochete" das brutais sanções económicas aplicadas à Rússia pelo bloco europeu.
Em matéria de reforço das capacidades de defesa, os 27 poderão mesmo comprometer-se com um "aumento substancial" das despesas a afetar a esta indústria, agora que a agressão militar russa à Ucrânia já levou muitos Estados-membros a fazê-lo por sua própria iniciativa e outros a mudarem radicalmente as suas posições mais conservadoras nesta matéria, sendo a Alemanha o caso mais flagrante, indicaram fontes europeias.
A nível energético, os líderes europeus prosseguirão as discussões sobre como reduzir a forte dependência dos hidrocarbonetos russos, sendo que neste caso é mais difícil um consenso entre os 27, face a posições divergentes entre os Estados-membros, quando observados os níveis de dependência.
Cenário que leva a que países como a Alemanha e outros mais a leste excluam uma eventual proibição total de importação de petróleo e gás da Rússia.
Portugal deverá reclamar que a UE avance em definitivo com a questão das interconexões europeias de gás e eletricidade -- uma antiga reivindicação que o Governo acredita que agora tem finalmente 'pernas para andar', dada a óbvia e assumida necessidade do bloco de diversificar as suas fontes energéticas -, enquanto a Espanha continuará a insistir em medidas para compensar o aumento brutal dos preços.
Ainda relativamente à Ucrânia, e embora não esteja oficialmente contemplada na agenda de trabalhos, haverá certamente lugar a uma discussão sobre as "perspetivas europeias da Ucrânia", na sequência do pedido formal de adesão ao bloco europeu assinado pelo Presidente Volodymy Zelensky, em 28 de fevereiro.
Fontes europeias sublinharam que uma eventual adesão da Ucrânia é forçosamente um cenário a longo prazo, pois são processos que levam muitos anos, obedecem a critérios muito exigentes e bem definidos, e os Tratados não contemplam sequer "procedimentos rápidos" de avaliação para a concessão do estatuto de país candidato.
Sublinhando que o apoio que a UE tem dado à Ucrânia já é "revolucionário", sobretudo à luz da inédita decisão dos 27 de adquirirem e fornecerem armas letais ao exército ucraniano para ajudar o país a defender-se da agressão russa, fontes diplomáticas admitiram que os líderes terão antes de acordar um texto que demonstre o desejo da UE de "trazer a Ucrânia o mais próximo possível" do bloco europeu, mas apontando que há "modelos intermédios" a serem considerados, como parcerias estratégicas.
A cimeira informal de Versalhes arranca oficialmente hoje às 17:30 locais (16:30 de Lisboa) e deverá terminar na sexta-feira à tarde.
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