"Pai, acredite em mim". Desinformação do Kremlin divide famílias
Ucraniano cria plataforma para apelar a pessoas com familiares na Rússia que expliquem o que está a acontecer. Propaganda do Kremlin faz com que russos não acreditem nos próprios filhos.
Mundo Guerra na Ucrânia
Misha Katsurin, um dono de um restaurante ucraniano com família na Rússia, não percebia porque é que o pai não lhe havia ligado a perguntar se estava seguro depois de a guerra ter estalado na Ucrânia.
Quatro dias depois da invasão, Misha estava confuso com a ausência de preocupação e ligou ao pai, Andrei, acabando por ficar chocado ao perceber que este não acreditava em si. A bolha de propaganda criada pelo Kremlin leva a que os russos vivam submersos nas mentiras que lhes são contadas e muitos não acreditam nos próprios filhos. Misha, de Kyiv, conta isso mesmo.
Numa publicação, feita no Instagram, o ucraniano relata como contou os detalhes do que estava a acontecer na Ucrânia ao pai e, em resposta, Andrei disse-lhe que isso "eram parvoíces", que "não havia guerra" e que "os russos estavam a salvar os ucranianos dos nazis".
O pai trabalha num mosteiro numa pequena cidade perto de Nizhny Novgorod, na Rússia, e não acreditava que os russos estivessem a bombardear zonas civis na Ucrânia.
"[Disse-me] que os nazis estavam a fazer escudos humanos de civis. Ele [Andrei] também disse que os soldados russos dão comida e roupas quentes aos soldados ucranianos. O meu próprio pai não acredita em mim, sabendo que estou aqui e vejo tudo com os meus próprios olhos, assim como a minha mãe (sua ex-mulher) que está escondida com a minha avó na casa de banho por causa do bombardeamento", escreve o empresário no Instagram.
"40% da população da Federação Russa tem Instagram e Facebook. E a maioria também não acredita no que publicamos", explica na mesma publicação feita no Instagram. "São mais de 80 milhões de pessoas que nem têm acesso a informações verdadeiras e têm 100% de certeza de que somos nazis, canibais e escória", acrescenta.
Sublinhe-se que o Instagram, da gigante tecnológica norte-americana Meta, deixou hoje de estar acessível na Rússia, cujo governo acusou a rede social de espalhar apelos à violência contra os russos devido à invasão da Ucrânia. O mesmo já tinha acontecido com o Facebook, da mesma empresa.
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A publicação de Misha rapidamente se tornou viral com mais de 234 mil gostos e centenas de partilhas.
A revelação de como o povo russo estava desinformado sobre o que estava realmente a acontecer levou Misha a criar uma plataforma: "Pai, acredite em mim". A plataforma tem como objetivo levar pessoas que tenham amigos ou familiares na Rússia a ligar-lhes e explicar o que está realmente a acontecer.
A plataforma apresenta uma espécie de guia, passo a passo, sobre como falar com amigos ou familiares na Rússia que foram expostos à forte propaganda do Kremlin e, por isso, se mantêm leais ao presidente Vladimir Putin.
"Liguem ao vosso pai, liguem à vossa família e amigos na Rússia. Tentem falar com eles calmamente", lê-se na plataforma criada por Misha que acrescenta que uma conversa não é, habitualmente, suficiente e é preciso manter o contacto.
Os russos vivem numa bolha de propaganda criada pelo Kremlin. Muitos acreditam na tese lançada por Putin de que as tropas russas foram à Ucrânia salvar os ucranianos dos nazis no poder. A informação real, do que se passa, dificilmente chega ao povo russo, levando-os a não acreditar na família e amigos fora do país.
Numa publicação mais recente no Instagram, Misha explica como os russos foram "enganados por 20 anos", que é "difícil para eles e assustador".
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"Vai ser difícil, eles não vão acreditar em nós, haverá ódio. Mas as mentiras não podem resistir à verdade. Quando a maioria dos parentes acreditar uns nos outros, a guerra terminará", conclui o ucraniano.
O empresário partilha ainda a conversa mais recente que teve com o pai, voltando a tentar explicar-lhe o que está (realmente) a acontecer.
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