É uma guerra dentro de uma guerra. A lei marcial, que define que homens entre os 18 e os 60 anos não podem sair do país, foi implementada após a invasão russa à Ucrânia e está a manter pessoas aprisionadas no país, com medo de passar a fronteira pela identificação de género que têm nos documentos.
A VICE noticia que algumas pessoas transexuais foram mesmo aconselhadas a "perder a identificação" por grupos de direitos humanos, a fim de saírem da Ucrânia.
Os ativistas trans estimam que esta questão está a levar a que "centenas" de pessoas trans na Ucrânia fiquem em "grave perigo" e se sintam "completamente sós".
Uma mulher trans disse estar "aterrorizada" por ser impedida de tentar deixar a Ucrânia, e por ser forçada a juntar-se ao exército ucraniano "como um homem".
Por outro lado, um homem trans, que fez a transição há mais de seis anos e vive como homem na Ucrânia desde então, só tem um BI "feminino". Também ele contou à VICE World News os seus receios de sair de casa e de tentar atravessar a Ucrânia.
Ficar no país é um problema, mas sair dele também. Estas pessoas temem ter de sair para países como a Polónia ou a Hungria, onde a sua identidade é "ridicularizada" e não reconhecida, refere a mesma reportagem.
Na Hungria, nos últimos anos, o casamento foi definido legalmente como uma união heterossexual, as adopções do mesmo sexo são proibidas e foi posto fim ao reconhecimento legal do género para pessoas trans e intersexuais. Na Polónia, o casamento e a adopção de pessoas do mesmo sexo são também ilegais, e nos últimos anos cerca de 100 municípios promulgaram resoluções não vinculativas declarando áreas "zonas livres de LGBT", suscitando protestos e fortes críticas por parte da União Europeia.
Zi Faámelu é uma mulher trans de 31 anos de idade, vive em Kyiv e disse não poder deixar o país, sentindo-se em perigo.
"Como centenas de pessoas trans na Ucrânia, sou uma mulher, mas tenho 'homem' no meu passaporte e em todo o meu BI, por isso esta é uma guerra dentro de uma guerra. O povo trans ucraniano já estava a lutar pelas suas vidas".
Faámelu explicou ainda que o processo de mudança de género na Ucrânia é "humilhante" e tem visto pessoas terem de "permanecer em instituições mentais durante meses, com testes psicológicos e físicos para provar o seu género".
A Ucrânia ocupa o 39.º lugar entre 49 países para o tratamento dos direitos LGBTQ, segundo a ILGA-Europa, um grupo de advocacia para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e pessoas intersexo.
A organização Transgender Europe afirmou: "Se forem recrutadas, as pessoas trans enfrentam um risco mais elevado de assédio e violência. O acesso a bancos de alimentos, abrigos e outros bens essenciais exige frequentemente um bilhete de identidade válido. A não correspondência de documentos de identificação pode levar à negação de serviço, para além de suspeita de fraude, ridicularização, assédio, e violência".
De acordo com as informações da ACNUR, dos quase três milhões de refugiados ucranianos, 1,7 milhões foram para a Polónia, 255.000 chegaram à Hungria, 204.000 à Eslováquia, 131.000 à Rússia, 106.000 à Moldova, 84.000 à Roménia e 1.200 à Bielorrússia.
Não estão disponíveis dados sobre quantos destes refugiados são LGBTQ, mas a ajuda começa a chegar. Segundo a Thomson Reuters Foundation, na Alemanha, a recém-formada Aliança de Ajuda de Emergência Queer para a Ucrânia, estabeleceu contacto com cerca de 40 mulheres trans e pessoas não binárias - que não se identificam nem como homens nem como mulheres - que necessitam de evacuação e partilharam os seus nomes com o governo.
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