Artem crê numa Dnipro russa, Tanzylia responde "nem pensar"
Dnipro, quarta cidade da Ucrânia, é o retrato da divisão que subsiste no país, com muitos a acreditarem num leste russo e outros dispostos a lutar até ao fim contra a invasão, posições que não distinguem língua ou passaporte.
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Mundo Ucrânia
O ucraniano Artem acredita que a cidade onde vive desde sempre cairá nas mãos russas -- "acho que isso vai acontecer". A russa Tanzilya responde "nem pensar" e que os ucranianos, povo de que se sente parte, "vão defender Dnipro até ao fim".
Junto a uma fábrica de sapatos, totalmente arrasada pela artilharia russa a 11 de março, Artem olha, com as mãos nos bolsos, para os destroços com ar conformado. O violento ataque noturno arrasou os edifícios de produção e administrativos da fábrica, causando a morte do guarda.
"Vim ver como é que isto estava. Na altura ouvi uma grande explosão", diz à agência Lusa Artem, engenheiro de som, que se diz equidistante no conflito, apesar de ter nacionalidade ucraniana.
"Sou neutral na guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Estou preocupado com a minha família, pensei em sair, mas é complicado. Por isso, sei que, ao ficar aqui, vou ter de ir para o exército", no quadro da mobilização, explica, mostrando-se desalentado com o futuro do país.
O Presidente russo Vladimir "Putin vai fazer prolongar esta guerra até a Ucrânia não aguentar mais e depois vai ficar com o leste da Ucrânia", que inclui Dnipro.
Os combates já decorrem poucos quilómetros a sul, em Zaporijia, e Dnipro, grande cidade industrial do país de um milhão de habitantes, prepara-se para os combates ao mesmo tempo que funciona como um grande centro de refugiados, que fogem do leste, perto de Donbass (zona ucraniana sob controlo de grupos independentistas com apoio militar de Moscovo), Kharkiv, Mariupol ou Berdyansk.
"A Ucrânia só foi para a guerra porque foi empurrada pelos Estados Unidos e pela União Europeia", insiste Artem, que não acredita que os russos consigam conquistar Kiev e o oeste do país. "Putin quer engolir a Ucrânia, mas vai engasgar-se, só vai ficar com o leste".
"Dnipro deve ficar sob controlo da Rússia e o Oeste fica com controlo da Ucrânia, graças aos Estados Unidos e à Europa", considera.
"Nem pensar", responde Tanzylia, 45 anos, noutro local da cidade, mais perto do centro.
Maquilhada, de casaco branco e chapéu e um saco de tangerinas para entregar a uma família de refugiados, a agente imobiliária usa hoje os conhecimentos para arranjar casas para quem foge da guerra.
"Falei com todos os meus clientes. E ninguém disse que não, toda a gente está a ceder espaços de graça para quem chega a Dnipro".
Após o início da invasão, a 24 de fevereiro, "decidi que não iria sair de Dnipro e que iria ajudar como posso as pessoas que chegam. Vendo casas, conheço muitos sítios e tento ajudar", explica.
"Nos primeiros dias da guerra, foi o terror. Depois começaram a chegar os refugiados e tivemos de ajudar, tentamos arranjar casas, comida, bens de primeira necessidade, higiene masculina e feminina. Tudo o que for preciso".
De passaporte russo e natural de Moscovo, Tanzylia não tem dúvidas sobre quais as cores que defende, como o provam o azul e amarelo das unhas. Os russos "não têm qualquer hipótese de conquistar Dnipro, porque nós não vamos deixar. Todos vamos lutar".
Tanzylia veio de Moscovo para Dnipro há 17 anos à procura "de mais sorte na vida", porque na Ucrânia "é possível crescer e fazer coisas", numa referência à liberdade e situação económica do país que a acolheu.
Com familiares na Rússia -- "tenho uma irmã e um tio que vivem em Moscovo" -, Tanzylia costuma falar sobre a situação política. "Eles entendem a guerra e sabem o que se passa. Os russos não estão todos conquistados pela propaganda, muitos sabem das mentiras de Putin".
Mas "temos de ter cuidado com as conversas", mesmo entre familiares, explica à Lusa. "É uma ditadura, não está a entender? Eles podem ser presos só por dizerem alto o que pensam".
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