"A perturbação na oferta de equipamento militar devido às sanções pode facilitar e promover um enorme mercado negro na transferência de armas, o que pode ser difícil de reverter mesmo depois do fim da guerra entre a Rússia e a Ucrânia", escreveu Moses B. Khanyile, da Universidade de Ciências Militares de Stellenbosch, na África do Sul.
De acordo com o artigo disponibilizado aos jornalistas, Khanyile argumenta que "o fim das transações transparentes entre África e a Rússia de equipamento e serviços militares deverá fazer o mercado negro florescer, revertendo os ganhos alcançados pelo Programa de Ação das Nações Unidas para o Desarmamento e a estratégia da União Africana de combate ao tráfico ilegal de armas.
"Muitas armas pequenas e ligeiras, como as espingardas de assalto M16 e M4, as espingardas dos atiradores furtivos, metralhadoras e pistolas inundaram o mercado negro depois da retirada dos EUA do Iraque e do Afeganistão", lembra o investigador, apontando que "há um perigo real de as transações de armas no mercado negro, envolvendo atores estatais e não estatais, se enraizarem no continente".
Quase metade do equipamento militar que os países africanos compram ao estrangeiro vem da Rússia (49%), incluindo tanques, navios de guerra, aviões e helicópteros de combate, mas também metralhadoras e espingardas, diz o investigador, sublinhando que a China vende apenas 13% deste equipamento que é comprado principalmente por Argélia, Angola, Burkina Faso, Egito, Etiópia, Marrocos e Uganda.
"De acordo com o relatório anual do Instituto de Pesquisa para a Paz, em Estocolmo, o comércio mundial de armas valeu 118 mil milhões de dólares [107 mil milhões de euros] em 2019", com a Rússia, Estados Unidos, França, Alemanha e China a representarem 76% do total de exportações entre 2016 e 2020.
"A Rússia tem uma quota de mercado de 20% em África, suplantada pelos Estados Unidos, com 37%, seguida da França (8,2%), Alemanha (5,5%) e China (5,2%), escreve ainda o investigador, acrescentando que os países africanos compram apenas 7,3% das armas mundiais, bem atrás da Oceânia (42%), do Médio Oriente (33%) e da Europa (12%).
A Rússia, nota Moses B. Khanyile, capitalizou as ligações próximas baseadas nas ligações históricas desde os dias da União Soviética e "negoceia armas com relativa facilidade, com a estrutura de preços e a falta de condicionamentos políticos, como os direitos humanos, a tornarem as vidas atrativas e acessíveis".
Com a imposição de sanções, nem as vendas nem as reparações das armas e dos equipamentos militares serão possíveis, pelo que o investigador vê aqui uma oportunidade para a indústria de defesa africana.
"A procura por equipamento e serviços militares vai continuar a existir apesar da saída ou da suspensão da participação da Rússia, o que é uma oportunidade ideal para os países africanos consolidarem e alinharem as capacidades da sua indústria de defesa com a sustentabilidade", seja através do desenvolvimento de um mercado interno, seja através da mediação da União Africana para disputas que possam surgir entre compradores e vendedores africanos.
"Os países africanos devem, por tudo isto, fazer um esforço concertado e apoiar as empresas de defesa no continente, com a União Africana e a África do Sul, em particular, dada a sua ligação aos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a dever desempenhar um papel central nesta campanha", conclui.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que matou pelo menos 1.119 civis, incluindo 139 crianças, e feriu 1.790, entre os quais 200 crianças, segundo os mais recentes dados da ONU, que alerta para a probabilidade de o número real de vítimas civis ser muito maior.
A guerra provocou a fuga de 10 milhões de pessoas, incluindo mais de 3,8 milhões de refugiados em países vizinhos e quase 6,5 milhões de deslocados internos.
A ONU estima que cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
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