Na véspera da 2ª. volta, os fraturados Coletes Amarelos recusam Macron

O movimento dos Coletes Amarelos, que juntou milhares de franceses entre 2018 e 2019, está fraturado por quezílias internas, na véspera da segunda volta das eleições presidenciais francesas, e só converge num ponto: "tudo menos o Macron".

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© Reuters

Lusa
23/04/2022 18:44 ‧ 23/04/2022 por Lusa

Mundo

Presidenciais em França

Aglomerados desde as 12:00 (11:00 em Lisboa) à porta da estação do metro de Place d'Italie, no sul de Paris, cerca de 20 indivíduos discutem, fumam cigarros, esperam pela manifestação convocada pelo movimento dos Coletes Amarelos para as 14:30.

À hora marcada, apesar do sol, dos 19 graus e de ser a véspera da segunda volta das eleições presidenciais francesas, só serão pouco mais do que duas centenas.

Em contraste com a altura da fundação do movimento em outubro de 2018 -- que, no seu pico, juntou cerca de 244 mil pessoas em várias cidades e rotundas de França -- o movimento dos Coletes Amarelo perdeu capacidade de mobilização.

À Lusa, um dos manifestantes -- que só quis ser identificado pelo colete amarelo que veste e que recusou a atribuição de qualquer característica pessoal porque o movimento é "coletivo" -- reconhece que os Coletes Amarelos atravessam um "momento difícil".

"Um movimento tem bons momentos e tem momentos menos bons. Estamos numa altura em que mobilizamos menos. Não podemos mobilizar, de maneira estável, o mesmo número de pessoas todos os sábados. Há altos e baixos, é preciso lidar com isso e tentar encontrar soluções", diz.

No meio dos manifestantes com que a Lusa falou, a justificação para a falta de mobilização é vasta: do "medo" gerado pela violência e "repressão social", às penas judiciais e multas que se seguiram, ou simplesmente ao sentimento que, após três anos e meio de existência do movimento, as "manifestações não servem para nada".

No entanto, nos últimos meses, não foram apenas manifestantes de base que deixaram de aparecer. Muitas das principais figuras dos Coletes Amarelos foram progressivamente abandonando o movimento ou desistiram de participar nas manifestações que continuam a ser organizadas semanalmente. No meio dos manifestantes, só um dos principais protagonistas do movimento aparece: Jérôme Rodrigues, lusodescendente que cumprimenta a Lusa com um "Então, pá?".

Depois de ter perdido a visão de um olho devido à explosão de uma granada durante uma manifestação dos Coletes Amarelos, em 26 de janeiro de 2019, Jérôme tornou-se uma figura internacional do movimento que se protestou, inicialmente, contra o aumento do preço dos combustíveis e, depois, se tornou sintomático de uma revolta popular.

Também Jérôme reconhece que o movimento perdeu aderentes e capacidade de mobilização, e indica haver "lições para se tirar" e um "balanço a fazer".

"Temos muito trabalho pela frente. No início, pensávamos que estávamos num 'sprint' e apercebemo-nos de que, mais do que estar numa maratona, estamos num triatlo Ironman [modalidade que junta 3,8 quilómetros de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida]", sublinha.

De chapéu preto, câmara GoPro ao peito e mochila com tripés e material de filmar às costas, Jérôme passa a manifestação a serpentear entre o cortejo, entrando e saindo, passando para a frente para filmar o forte dispositivo de segurança que o rodeia.

Sem cantar as palavras de ordem que se ouvem na manifestação -- como a "polícia é nojenta" ou "nem Macron nem Le Pen, nem a finança nem o ódio" --, Jérôme transmite o protesto em direto na sua página oficial da rede social Facebook.

Na Internet, o Colete Amarelo tornou-se uma celebridade: aos 246 mil seguidores que tem no Facebook, somam-se os 27 mil no Twitter e as milhares de visualizações no seu canal YouTube, que preenche com frequência com 'lives'.

Após a explosão de protagonismo que muitos Coletes Amarelos conheceram -- e que os tornaram convidados regulares dos canais televisivos -- começaram a surgir quezílias internas no movimento, que continua a reivindicar como principal característica a ausência de líderes ou de estrutura interna.

Na última fila do cortejo -- que arrancou às 14:30 rumo à Place de la Nation, no leste de Paris -- está Sophie Tissier. Apesar de se sentir "ameaçada", decidiu vir hoje ao cortejo para falar com a agência Lusa e porque considera estar segura, rodeada por polícia.

Interrompida por pessoas que lhe tiram fotos ou que a interpelam para lhe dizer que não a viam há muito tempo, Sophie foi uma das principais figuras do movimento no seu início. Hoje, diz que os Coletes Amarelos estão dominados pelos "antifascistas e pela extrema-esquerda" e afirma que foi "assediada, caluniada e agredida fisicamente" por membros próximos de Jérôme Rodrigues.

Apoiante de uma linha "colegial e democrática", que passasse pela declaração às autoridades dos trajetos das manifestações -- para impedir a infiltração de perturbadores externos e retirar argumentos ao Presidente francês, Emmanuel Macron --, Sophie diz que, assim que começou a ganhar protagonismo, vários membros ficaram "ciumentos".

"O que destruiu verdadeiramente o movimento foi a incapacidade de nos entendermos de maneira humana e de sermos tolerantes. O movimento foi destruído desde o interior, pela extrema-esquerda, que, inicialmente, era a minha família política", refere.

Fraturado na cúpula, a diversidade que levou à efervescência do movimento também começa a ser cada vez mais prejudicial para os Coletes Amarelos.

Apesar de a linha geral do movimento, defendida por Jérôme Rodrigues, ser a de se absterem ou votarem em branco na segunda volta das eleições presidenciais -- "nem Macron, nem Le Pen" --, a Lusa cruzou-se com manifestantes que afirmam que irão votar na candidata de extrema-direita.

Serge, de 68 anos, por exemplo, traz na lapela do seu casaco de ganga um 'pin' em que se lê "Tudo menos o Macron". Diz estar-se "nas tintas" para a indicação de voto dada pelos Coletes Amarelos para as eleições de domingo: "Eu vou votar na Le Pen, quer os Coletes Amarelos digam sim ou não, é-me completamente indiferente. Não tenho dúvida nenhuma".

Figura de um movimento com pouco poder de influência e cada vez menos seguidores, Jérôme Rodrigues afirma já estar "farto de dizer aos Coletes Amarelos que não se pode continuar assim", e afirma ser preciso começar a pensar numa "nova forma" a dar ao movimento, quer seja "um grupo político ou uma associação".

"Nós, Coletes Amarelos, temos um problema: consideramos que todos os outros são carneiros. Mas esses carneiros, têm um pastor: o Macron, o Mélénchon, a Le Pen. Nós não temos nenhum pastor. Dizemos às pessoas: vem comer a minha erva, caro carneiro, mas não temos pastor, apesar de termos lobos", refere, antes de considerar que Sophie Tissier é um desses lobos.

Antecipando a necessidade de os Coletes Amarelos se "estruturarem", Sophie Tissier já deu o primeiro passo: a 05 de abril, lançou o partido União de Cidadãos pela Liberdade (UCPL, na sigla em francês), codirigido por cinco pessoas.

Na última fila da manifestação, Sophie vai agitando duas bandeiras com o símbolo do novo partido -- a Marianne, figura da República francesa, a carregar uma bandeira amarela -- que irá concorrer nas próximas eleições legislativas, marcadas para 12 e 19 de junho.

"Espero conseguir federar os Coletes Amarelos neste partido, que é um verdadeiro movimento dos Coletes Amarelos, para os Coletes Amarelos. Eu já sou um Colete Amarelo muito antes da fundação do movimento: sonho com a renovação do sistema político desde a infância", refere.

O manifestante que não quer ser identificado é mais modesto: o único objetivo que quer estabelecer é o de conseguir mobilizar mais manifestantes no próximo sábado.

Para os próximos cinco anos -- que correspondem à duração do mandato presidencial -- a resposta é simples: "Se o movimento crescer, cresceu. De qualquer forma, precisamos de estar mobilizados na rua, quer sejamos cem mil ou apenas uma centena".

Leia Também: Macron refreou gritos de vitória em Figeac

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