"Cada um dos soldados que cometeu atrocidades deve ser levado à justiça. Aqueles que violaram meninas e lhes partiram os dentes, aqueles que mataram ciclistas, aqueles que fuzilaram pessoas na fila do pão, destruíram maternidades. Estas pessoas têm caras e nomes e devem ser levadas à justiça", apelou Emine Dzhaparova.
"Quando o Presidente russo, Vladimir Putin, cair - e ele vai cair -, não podemos restaurar relações com a Rússia sem que seja feita justiça", acrescentou, numa reunião do Conselho de Segurança denominada "Garantir a responsabilização pelas atrocidades cometidas na Ucrânia".
No mesmo sentido, vários diplomatas junto da ONU pediram a responsabilização criminal de cada militar que cometeu atrocidades na Ucrânia, como violações sexuais ou homicídios arbitrários.
Aludindo aos vetos russos no Conselho de Segurança que condenavam a sua invasão da Ucrânia, a representante norte-americana, Beth Van Schaack, ironizou que a "Rússia não poderá vetar a sua responsabilização pelas atrocidades cometidas".
"A princípio, essa violência parecia ser em forma de ataques deliberados e indiscriminados contra civis e elementos da infraestrutura civil. Mais tarde, porém, quando corajosos jornalistas e defensores dos direitos humanos obtiveram acesso a áreas após a retirada da Rússia, vimos violência de outra ordem", afirmou Van Schaack, embaixadora norte-americana para Justiça Criminal Global.
"Era violência interpessoal: relatos confiáveis de indivíduos mortos em estilo de execução com as mãos amarradas; corpos com sinais de tortura; relatos horríveis de violência sexual contra mulheres e meninas. Agora temos informações confiáveis de que uma unidade militar russa operando nas proximidades de Donetsk executou ucranianos que tentavam render-se, em vez de prendê-los. Se for verdade, isso violaria um princípio fundamental do direito da guerra", acrescentou.
Segundo a embaixadora, imagens e relatórios sugerem que as atrocidades cometidas por russos na Ucrânia revelam um padrão profundamente perturbador de abuso sistemático em todas as áreas onde as forças da Rússia estão envolvidas.
"A nossa mensagem simples para as lideranças militares e políticas da Rússia é esta: o mundo está a assitir, e vocês serão responsabilizados", assegurou a norte-americana.
Nesta reunião informal, organizada pela Albânia e pela França, além de vários diplomatas falaram ainda a alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, a procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, a advogada de Direitos Humanos e co-presidente da Fundação Clooney para a Justiça, Amal Clooney, entre outros.
Na sua intervenção, Karim Khan afirmou que ainda não recebeu uma resposta da Rússia sobre a guerra na Ucrânia e pediu a Moscovo que colabore com a Justiça internacional, comprovando as suas afirmações de que as supostas atrocidades na Ucrânia são "notícias falsas".
"Enviei três comunicações à Federação Russa. Não recebi resposta, mas vou continuar a tentar", disse Khan.
O procurador, que aproveitou a presença de representantes russos e ucranianos na reunião, insistiu que o seu gabinete "não tem agenda política" e que sua única missão é procurar "a verdade".
"Enquanto houver notícias falsas, enquanto houver conspirações e tentativas de enganar o mundo, que melhor maneira de expor uma mentira do que submetê-la a investigações e análises independentes?", questionou o procurador dirigindo-se à Rússia.
Khan, de qualquer forma, deixou claro que viu imagens e ouviu testemunhos "que não são falsos" e considerou essencial para o futuro do mundo que os crimes cometidos na Ucrânia sejam processados.
Neste sentido, considerou que a comunidade internacional enfrenta um momento "crucial" em que é necessário agarrar-se à lei e defendê-la, porque senão não restará nada a que se agarrar senão aceitar o sofrimento e perder toda a esperança.
A Procuradoria do TPI abriu uma investigação sobre a situação na Ucrânia no início de março, após o encaminhamento do caso por dezenas de Estados, e desde então os seus investigadores vêm recolhendo provas sobre a suposta prática de crimes de guerra e crimes contra a humanidade pela Rússia.
Por sua vez, a Rússia, que enviou à reunião no Conselho de Segurança um jovem representante que não consta na lista de diplomatas russos junto da ONU divulgada no 'site' da missão, argumentou que está a ser usada "uma máquina de fabricação de notícias falsas" contra o seu país e que o TPI é um "mero instrumento político", levantando dúvidas acerca da sua imparcialidade.
Já numa observação mais ampla do conflito, a advogada de direitos humanos Amal Clooney defendeu que as atrocidades cometidas na Ucrânia foram possibilitadas pelo facto da comunidade internacional ter ignorado durante outros conflitos.
"No passado, os perpetradores cometeram crimes acreditando que iriam escapar à justiça. E eles estavam certos", disse Amal Clooney, referindo-se às violações dos direitos humanos na Síria.
"Durante muito tempo vimos os perpetradores a assassinarem, torturarem e violarem sem consequências, em violações em massa dos direitos humanos, desde o Darfur a Myanmar e ao Iémen", acrescentou.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de dois mil civis, segundo dados da ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
A ofensiva militar causou já a fuga de mais de 12 milhões de pessoas, mais de cinco milhões das quais para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU -- a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
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