Flores para as vítimas dos nazis e 'Z' para Putin em Belgrado

Aos cravos vermelhos evocativos de sangue derramado pelos combatentes anti-nazis na Segunda Guerra Mundial, juntaram-se esta segunda-feira em Belgrado, nas comemorações russas do Dia da Vitória, efígies de Putin e inúmeras letras Z, símbolo da ofensiva de Moscovo na Ucrânia.

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Lusa
09/05/2022 15:13 ‧ 09/05/2022 por Lusa

Mundo

Ucrânia

Em frente ao Cemitério dos Libertadores na capital sérvia, Ivan, um russo residente em Belgrado, segura o mais alto que consegue um Z com cerca de dois metros de altura. Formada por três toscas tábuas brancas unidas por pregos, a letra significa a expressão russa "za pobedu" ("à vitória") e, ostentada pelos blindados russos que se adentraram nas vilas e cidades ucranianas, converteu-se numa declaração de apoio à invasão, iniciada em 24 de fevereiro.

São 11h00 e faltam poucos minutos para a chegada dos membros do Governo sérvio que presidirão à cerimónia de deposição de coroas de flores nos vários memoriais espalhados pelo cemitério. No afã dos preparativos, um oficial do protocolo sérvio aproxima-se de Ivan pedindo-lhe que durante a cerimónia baixe as tábuas em forma de Z.

Mas, com a solenidade a instalar-se para a chegada dos convidados de honra, os modos polidos do homem do protocolo nada podem contra a indignação de Ivan, que se recusa a baixar o símbolo da guerra russa. Ao lado do Z, durante a discussão, um outro russo mantém erguida a efígie em cartão do Presidente russo, Vladimir Putin, em tamanho real.

E foi à sombra de um gigante Z e de um Putin em cartão, num dia límpido de sol, que ministros, diplomatas e militares depuseram as tradicionais coroas de flores no monumento da Chama Eterna, no centro do cemitério, e, depois de descerem uma alameda bordejada de pequenas lápides de pedra com os nomes de soldados mortos gravados em alfabeto cirílico, no Monumento ao Exército Vermelho, que enfrentou os nazis.

Cravos vermelhos, símbolo do sangue derramado pelos combatentes "Partizan" e militares, adornavam as lápides dos caídos na década de 1940.

Ivan e outros russos e sérvios pró-russos - muitos com o Z na lapela - seguiram até ao cemitério à cabeça de um cortejo de cerca de 1.200 pessoas, que marcharam por detrás de um pano vermelho com a frase "Regimento Imortal" ("Besmrtni puk").

O mesmo sucedeu hoje noutras cidades sérvias e russas, nomeadamente em Moscovo, onde o Presidente Putin usou a data histórica para mais uma vez justificar a invasão da Ucrânia.

Organizada pela embaixada russa em Belgrado, e com a participação ativa do embaixador Alexander Bocan Kharchenko, a marcha pelo centro da capital sérvia regressou após dois anos de interrupção devido à pandemia de covid-19.

Enquanto os manifestantes gritam "Rússia" e "Não à agressão da NATO", o jovem sérvio David marcha vestindo uma t-shirt preta com um Z pintado em branco. Não esconde a sua simpatia pela ofensiva de Vladimir Putin e, de forma mais vasta, o seu ressentimento para com os países ocidentais. 

À Lusa, afirma que a maioria dos sérvios são pró-Rússia e que a "minoria" dos pró-ocidentais "têm vergonha de ser sérvios".

"Sofremos durante muitos anos uma grande propaganda contra nós. Todos os ocidentais constantemente a dizerem que os sérvios são genocidas [devido às guerras nos Balcãs]. Durante todas as nossas vidas, a Europa não foi boa para nós", adianta o jovem de 33 anos, que diz ser contra a adesão à União Europeia (UE), que significaria a perda da "independência da Sérvia".

Sobre o conflito na Ucrânia, diz que não é "a favor da guerra", mas justifica que a Rússia foi "encurralada" com a aproximação dos países ocidentais a Kiev.

 "Os países ocidentais não estão informados que a guerra começou em 2014 [com a revolução 'Maidan' ucraniana contra o Presidente pró-russo Viktor Yanukovitch]. A Rússia desde então fartou-se de tentar negociar. Putin deu-lhes 8 anos até que chegou a um ponto de não retorno", disse à Lusa o jovem programador informático.

Ao lado de David, um outro manifestante empunha um cartaz recordando os bombardeamentos da NATO na Sérvia em 1999: "NATO: nunca vos perdoaremos por terem assassinado as nossas crianças", pode ler-se em inglês, ao centro de uma montagem com fotografias de várias crianças.

Exibindo pequenos cartazes com fotografias a preto-e-branco, outros manifestantes recordavam vítimas nazis da Segunda Guerra Mundial, nalguns casos os seus próprios avós ou bisavós, 'Partizans' sérvios ou soldados do Exército Vermelho.

Era o caso de Daniel, adolescente sérvio da escola russa de Belgrado, que traz consigo uma moldura do avô, que "combateu os nazis na Ucrânia" pelo exército soviético. Adornando a moldura, a fita laranja-negra de São Jorge, símbolo da vitória russa sobre os nazis. 

Daniel incomoda-se com perguntas sobre a Ucrânia, procurando com o olhar a aprovação da mãe, que segue a conversa com o jornalista atentamente.

"O melhor seria a paz na Ucrânia. A guerra é uma coisa terrível. Alguns dos meus colegas [na escola russa] gostam da guerra. Na primeira semana gostaram, mas com o passar do tempo gostam menos", diz à Lusa.

Roman, um dos colegas de Daniel, recusa-se a falar sobre a guerra, limitando-se a dizer que é muito má.

Já a russa Marina Galogaza, uma das organizadoras da marcha, não tem qualquer pejo em defender que a Rússia "tem todo o direito" de intervir militarmente na Ucrânia, cujo Governo "realiza ações militares contra os próprios ucranianos" russófonos no Donbass. Faz eco do discurso oficial e da propaganda russa, de que a NATO e a própria Ucrânia "provocaram" Putin. 

"O que está a acontecer é uma reação aos últimos 20 anos de provocações", diz convictamente Marina, sobre a invasão russa, que já fez milhares de mortos e arrasou vilas e cidades ucranianas, de onde emergiram potenciais provas de inúmeros crimes de guerra cometidos por militares russos.

Residente na cidade sérvia de Novi Sad desde 1996, Marina rapidamente mistura o conflito na Ucrânia com o que viveu na Sérvia em 1999 - as "bombas na NATO" que caíram "a 200 metros de onde os filhos dormiam". 

"Vimos a chamada democracia americana [durante os bombardeamentos da NATO]. Destruíram ferrovias, edifícios... Mas as pessoas tornaram-se mais unidas do que nunca", disse à Lusa.

Questionada sobre a forma como vê hoje mães ucranianas na mesma situação em que ela própria esteve no passado, a terem de fugir das bombas russas com as suas crianças, Marina novamente iliba o regime russo, que "está a tentar minimizar perdas humanas e libertar o povo".

E defende que Moscovo vai "lentamente concluir a desnazificação [da Ucrânia, termo usado pelo Presidente russo para qualificar o Governo ucraniano como nazi] e não vai permitir bases da NATO e laboratórios de armas químicas" no país-vizinho. 

"Este conflito vai demorar um ou dois anos, não mais", afirma confiante, enquanto empunha um molho de cravos vermelhos para adornar lápides - prenúncio possível de sangue ainda por derramar na Ucrânia.

Leia Também: Líder pró-russo de Donetsk lidera em Mariupol desfile do dia da vitória

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