Num debate aberto sobre conflitos e segurança alimentar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, convocado pelos Estados Unidos, António Guterres indicou que cerca de 67% das pessoas subnutridas do mundo vivem em áreas afetadas por conflitos e que "nenhum país está imune".
"No ano passado, a maioria das 140 milhões de pessoas que sofrem de fome aguda em todo o mundo viviam em apenas 10 países: Afeganistão, República Democrática do Congo, Etiópia, Haiti, Nigéria, Paquistão, Sudão do Sul, Sudão, Síria e Iémen. Oito desses países estão na agenda deste Conselho. Que não haja dúvidas: quando este Conselho debate o conflito, debate a fome", disse Guterres.
O secretário-geral disse ainda que quando o Conselho de Segurança não consegue chegar a um consenso, as pessoas famintas pagam um preço alto.
Um dos países destacados por António Guterres foi o Níger, que além de ocupar os últimos lugares no Índice de Desenvolvimento Humano, está também entre os dez países mais vulneráveis à crise climática e onde o número de pessoas em insegurança alimentar aguda mais que duplicou nos últimos dois anos.
Guterres classificou ainda o Níger como "um barril de pólvora, com consequências gravíssimas para a região e para o mundo", destacando que quase 70% dos jovens nigerinos não têm escolaridade, ou formação.
O ex-primeiro-ministro português apelou assim a uma urgente mobilização internacional, coordenada e em grande escala, que fortaleça os vínculos entre paz, ação humanitária, adaptação aos impactos das mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável.
Também a situação da segurança alimentar no Corno de África, região que está a sofrer "a maior seca em quatro décadas", foi alvo das preocupações de António Guterres, que indicou que mais de 18 milhões de pessoas são afetadas pela situação.
"Em todo o mundo, 44 milhões de pessoas em 38 países estão em níveis de emergência de fome, conhecidos como IPC 4 -- a um passo da fome. (...) como sempre, mulheres e meninas são as mais afetadas, e isso reflete-se no aumento das taxas de tráfico, casamento forçado e outros abusos", alertou.
Além disso, mais de meio milhão de pessoas na Etiópia, Sudão do Sul, Iémen e Madagáscar já estão no "IPC nível 5: condições catastróficas ou de fome".
A guerra da Rússia na Ucrânia não ficou ausente do posicionamento do secretário-geral da ONU, que advogou estar a adicionar uma nova dimensão assustadora a esse quadro de fome global, uma vez que levou ao encerramento das exportações de alimentos da Ucrânia, "país que estava a alimentar o mundo com abundantes suprimentos de comida".
"Aumentos de preços de até 30% para alimentos básicos ameaçam as pessoas em países da África e Médio Oriente, incluindo Camarões, Líbia, Somália, Sudão e Iémen. Discuti esta situação profundamente preocupante com os líderes do Senegal, Níger e Nigéria durante a minha visita. Eles confirmaram que estamos à beira de uma tempestade perfeita que ameaça devastar as pessoas e economias", relatou.
Para "quebrar a dinâmica mortal do conflito e fome", Guterres sugeriu quatro ações para os países adotarem, como investimento em soluções políticas para acabar com os conflitos, prevenir novas guerra e construir a paz.
"Mais importante de tudo, precisamos acabar com a guerra na Ucrânia. Apelo a todos os membros deste Conselho que façam tudo ao seu alcance para silenciar as armas e promover a paz, na Ucrânia e em todos os lugares", pediu.
Em segundo lugar, o português exortou o Conselho de Segurança a procurar responsabilizar os responsáveis por violações do Direito Internacional Humanitário: "Exorto-vos a tomar medidas máximas para cumprir o vosso papel".
Em terceiro, o secretário-geral disse que há comida suficiente para todos no mundo, mas o problema está na questão da distribuição, que acaba por estar profundamente ligada à guerra na Ucrânia.
Nesse sentido, Guterres voltou a repetir algo que já vem pedindo deste o início da guerra: que as restrições à exportação de alimentos sejam levantadas; que as reservas estratégicas sejam libertadas; e que os excedentes sejam direcionados aos países necessitados.
"Estamos a trabalhar para encontrar um pacote que permita à Ucrânia exportar alimentos, não apenas por comboio, mas através do Mar Negro, e que faça chegar a produção russa de alimentos e fertilizantes aos mercados mundiais sem restrições", revelou, apelando ainda à boa vontade de todos os países envolvidos.
Por último, Guterres pediu o financiamento integral dos apelos humanitários por parte de doadores.
"Estamos quase na metade de 2022 e os nossos Planos Globais de Resposta Humanitária estão apenas financiados em 8%", disse.
"Exorto os países a demonstrarem para com todos os países a mesma generosidade que demonstraram para com a Ucrânia", lançou Guterres perante o Conselho de Segurança, hoje presidido pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.
Leia Também: ONU apela a financiamento contra a fome no Sahel e corno de África