O Governo aceitou recomendações apresentadas em novembro de 2021 por uma comissão que investigou o período de governação em causa, "nomeadamente várias acusações contra o ex-presidente Yahya Jammeh relativas a uma miríade de crimes cometidos entre 1994 e 2017", anunciou o Ministério da Justiça gambiano, através de uma declaração, citada pela agência France-Presse.
O ministro da Justiça da Gâmbia, Dawda Jallow, anunciou numa cerimónia a criação de uma unidade especial no Ministério Público e a intenção do Governo de estabelecer um tribunal no âmbito do sistema existente.
"Este tribunal será estabelecido na Gâmbia, com a opção de realizar audiências noutras jurisdições", anunciou Jallow.
As autoridades gambianas tinham até hoje para responder ao relatório e às recomendações da comissão encarregada de investigar as irregularidades cometidas entre julho de 1994 e janeiro de 2017, período em que Yahya Jammeh, um tenente que chegou ao poder através de um golpe militar, governou o país.
Além de Jammeh, a comissão identificou outros 69 responsáveis por delitos vários durante o período entre 1994 e 2017, que deverão igualmente ser responsabilizados pela justiça da Gâmbia.
Durante mais de dois anos a comissão documentou um sem número de homicídios, torturas, desaparecimentos forçados, violação e castração, detenções arbitrárias, perseguições, e até mesmo a administração forçada de tratamento falso da sida.
O inquérito ouviu 393 testemunhos condenatórios de vítimas e alegados perpetradores e contabilizou entre 240 e 250 mortes às mãos do Estado e dos seus agentes sob o comando de Jammeh.
Yahya Jammeh, que faz hoje 57 anos, vive na Guiné Equatorial. No final de 2016, uma figura relativamente desconhecida, Adama Barrow, derrotou-o nas eleições presidenciais. Jammeh recusou-se a conceder a derrota, mas foi conduzido ao exílio sob pressão de uma intervenção militar da África Ocidental.
Adama Barrow continua a presidir a uma frágil democracia em transição e as vítimas de Jammeh receiam que os expedientes políticos se sobreponham à justiça, até porque o antigo presidente continua a ter uma forte influência na política gambiana.
Barrow foi reeleito em dezembro de 2021, depois de um acordo entre o seu partido e o partido de Jammeh, e mais tarde escolheu para posições de destaque no poder do Estado dois antigos aliados de Jammeh, os presidente e vice-presidente do parlamento recém-eleito em abril último.
Um dos mais altos funcionários implicados pela comissão, Ousman Sowe, é agora o chefe dos serviços secretos gambianos. Muitos alegados membros de unidades de eliminação física, conhecidos como "bosquímanos do mato", vivem livremente na Gâmbia.
O julgamento de um destes alegados "bosquímanos do mato" acaba de começar na Alemanha. Bai Lowe, um refugiado na Alemanha desde 2012 e preso em 2021, está a ser julgado sob o princípio da jurisdição universal por crimes contra a humanidade, homicídio e tentativa de homicídio entre 2003 e 2006, incluindo o homicídio do correspondente da agência France-Presse no país, Deyda Hydara.
Até agora, ninguém foi julgado na Gâmbia por crimes políticos durante a era Jammeh.
Ainda que o Governo tenha decido avançar com o julgamento de Jammeh, a Guiné Equatorial não tem um acordo de extradição com a Gâmbia.
A comissão gambiana recomendou que Jammeh e os seus alegados cúmplices fossem julgados por um tribunal internacional na África Ocidental e fora do país, sugerindo o Senegal, onde outro antigo autocrata, Chadian Hissène Habré, foi julgado, o Gana ou a Serra Leoa.
Desde a apresentação do relatório da comissão em novembro de 2021, Barrow não deu qualquer indicação das suas intenções.
As vítimas e os defensores dos direitos humanos instaram o Governo gambiano a processar as 70 pessoas nomeadas pela comissão.
Insistiram igualmente em que as vítimas sejam envolvidas no processo e que as mulheres sujeitas a violência sexual e outras formas de violência sejam incluídas numa eventual indemnização a ser determinada pelo Estado gambiano.
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