"Todo o agrupamento militar russo do lado direito do [rio] Dniepre não tem capacidade de entregar munições, mantimentos e tudo mais. Na verdade, eles estão cercados", afirma em entrevista à Lusa o oficial, que prefere ser identificado pelo nome código de capitão André.
A reconquista da cidade de Kherson, tomada pelos russos logo no começo da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, vem sendo sugerida há cerca de dois meses.
Mas, apesar dos avanços das forças ucranianas a partir de Mykolaiv, que resistiu sempre sob domínio ucraniano, na direção de Kherson, a apenas 60 quilómetros a leste, ainda não aconteceu, uma demora que o capitão André situa no campo da "guerra da informação", mas indicando que a operação está em curso.
"Isso está a ser feito. No entanto, ao contrário dos russos, somos muito cuidadosos com a vida dos nossos soldados. Eles usam os deles como carne para canhão. Nós, por outro lado, destruímos suas ligações logísticas com artilharia e destruímos taticamente o inimigo. Se já há explosões na Crimeia, pode imaginar-se o que está a acontecer aqui", afirma.
Segundo o oficial de 54 anos, no início da invasão os russos tinham "uma vantagem muito grande" em armas, veículos militares pesados, munições e número de soldados: "Diria que a vantagem era de dez para um".
Até ao final de junho, recorda, Mykolayiv foi bombardeada todos os dias com artilharia pesada e mísseis -- e continua a sê-lo -, mas era preciso resistir. "Se nos rendêssemos, eles teriam uma rota direta para Odessa, desembarcando tropas do Mar Negro e ficavam com todo o sul da Ucrânia. Não lhes demos essa oportunidade". A situação, frisa, alterou-se desde então e as forças ucranianas "estão cada vez mais perto de Kherson".
Como elemento demonstrativo, descreve que os primeiros prisioneiros russos tinham um comportamento arrogante, insinuando que a Ucrânia nunca vencerá esta guerra e agora "são eles próprios que se entregam".
Apesar das cautelas, o capitão André concorda que o tempo conta, antes que os russos se possam reagrupar e lançar uma contraofensiva, havendo relatos de localidades que tinham sido tomadas pelos ucranianos e foram entretanto recuperadas pelas forças de Moscovo.
"Eles estão realmente a fazer isso agora. Mas limitam-se a ficar entrincheirados em pequenas aldeias, o que não muda nada. Os prisioneiros de guerra dizem que tinham ordens para atacar, mas o exército russo não tem motivação alguma", relata, descrevendo um sentimento oposto dos soldados ucranianos, porque "estão a defender a sua casa"
"Este dia da independência da Ucrânia [24 de agosto] será verdadeiramente o primeiro dia da independência em 30 anos, uma vez que estamos a libertar-nos finalmente das amarras e correntes russas", observa.
Usando um argumento recorrente das autoridades ucranianas, o oficial sustenta que, desde o primeiro dia de guerra, se a Europa e os EUA fornecessem armas de imediato, a esta hora a Ucrânia já teria recuperado as suas fronteiras administrativas.
"Não estamos apenas a defender a Ucrânia, estamos a defender toda a Europa, porque [o presidente russo] Putin é um 'gangster', e os russos não são militares, são a máfia: violam as nossas mulheres, matam crianças e temos relatos de que chegam a enterrar os seus próprios feridos juntamente com os soldados mortos", afirma.
A libertação de Kherson poderia então funcionar como uma motivação extra nesta fase de guerra, seis meses depois. "Basta dizer que a minha casa fica em Simferopol [Crimeia]. Cada pedaço de terra, cada aldeia é importante para nós", refere, insistindo no regresso às fronteiras territoriais de 1991 e ironizando quando exige, não só a retirada completa do exército russo da Ucrânia, como também a sua "desnazificação".
Para isso, reitera a necessidade urgente de equipamento militar pesado e munições suficientes. "Acreditem, com isso, no máximo em duas semanas estaremos em Kerch [Crimeia]. A Ucrânia provou que sabe lutar, não matamos nem torturamos prisioneiros, ao contrário dos russos. Provámos ao mundo inteiro que somos uma nação de paz e humana. A Ucrânia é a Europa", declara o capitão André, deixando uma derradeira mensagem: "Lembrem-se sempre que o gás russo cheira a sangue".
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