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Protestos no Irão realçam crise de legitimidade do poder, diz analista

Os protestos em curso no Irão estão a realçar uma crise de legitimidade do poder, tendo como pano de fundo a sucessão do líder supremo iraniano, Ali Khamenei, 83 anos, defendeu hoje uma analista política da Chatham House.

Protestos no Irão realçam crise de legitimidade do poder, diz analista
Notícias ao Minuto

16:07 - 04/10/22 por Lusa

Mundo Irão

Sanam Vakil, cidadã norte-americana diretora adjunta e investigadora sénior do Programa do Médio Oriente e Norte de África, sublinha que os atuais protestos pelos direitos das mulheres apresentam ao regime iraniano "uma crise muito mais imediata" do que a escolha do eventual sucessor do ayatollah Khamenei.

"Tendo sucedido ao ayatollah Ruhollah Khomeini, em 1989, Khamenei é agora o líder mais antigo de um Estado do Oriente Médio e a sua morte anunciará uma transição significativa para o Irão e para a região em geral", sustenta Vakil, salientando que a competição para a sucessão será "intensa"

"Seja qual for o resultado, a maneira como a transição se desenrolar terá consequências a longo prazo no relacionamento do Irão com os vizinhos árabes e adversários ocidentais. O processo de sucessão tem componentes formais e informais que refletem os corpos eleitos e não eleitos no seu sistema religioso híbrido, onde o líder supremo está acima das lutas políticas, mas mantém um poder e influência abrangentes", defendeu.

Entre os possíveis e principais sucessores, figuram o atual Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, e o segundo filho de Khamenei, Mojtaba, com Sanam Vakil a destacar a possibilidade de ainda surgirem nomes "inesperados" caso nenhum deles reúna um consenso: "uma figura sénior ligada à Assembleia de Especialistas". "Em 1989, Khamenei não era um candidato óbvio", insistiu Vakil.

A Constituição do Irão define que a Assembleia de Especialistas nomeie e eleja o próximo líder e quando Khamenei morrer ou ficar incapacitado, este órgão convocará uma sessão de emergência, em que serão indicados os candidatos, provavelmente da própria assembleia, seguidos de discursos e votação. 

"Khamenei foi formalmente reconhecido depois de receber uma maioria de dois terços, que, no seu caso, veio com o apoio de clérigos de alto nível e da bênção de Khomeini no leito de morte", lembrou a analista da Chatham House.

Para se preparar para o próximo processo de sucessão, os líderes da Assembleia de Especialistas anunciaram em 2016 a criação do comité para delinear as qualificações do candidato ideal e identificar uma lista restrita de sucessores, cujos nomes não fora tornados públicos.

Khamenei já disse que o próximo candidato deveria ser "revolucionário", lembrou Vakil, adiantando que a Constituição estabelece as características de um sucessor: "justo, piedoso, consciente da sua idade, corajoso, engenhoso e com capacidade administrativa".

Para tal, é necessário encontrar um candidato aceitável para todos, tanto para o 'status quo' clerical, como para o que Vakil considera o "Estado profundo", "que ganhou um poder significativo sob Khamenei", face ao sistema político dividido em inúmeras fações.

Embora o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC), a entidade militar com poderes para proteger a segurança nacional do Irão, seja frequentemente considerado sinónimo do "Estado profundo" do Irão, há mais do que isso, "uma intrincada superestrutura de segurança, inteligência e economia que reúne indivíduos e instituições cujo objetivo é preservar a natureza revolucionária fundamental, visão e segurança da República Islâmica".

Mas mudar de líder não significa mudar de regime, alerta Vakil, e, embora seja necessária uma "revolução", tal não implica a manutenção das tendências ideológicas conservadoras, as mesmas de Khamenei.

"E Raisi ainda não obteve nenhuma vitória política. Apesar de meses de negociações sobre o nuclear, ainda não se chegou a uma conclusão positiva que veria o alívio das sanções e o regresso do Irão à conformidade nuclear", sustenta a analista norte-americana.

"Ondas sucessivas de protestos expuseram o impacto da má gestão económica e ambiental na vida dos iranianos comuns e a profundidade da raiva pela mão pesada do estado de segurança. Com esses desafios, Raisi pode ficar desacreditado à medida que a competição pelo líder supremo se intensifica", defendeu.

Apesar dos relatos de Mojtaba ter quase completado o ensino religioso e estudos suficientes para se tornar um ayatollah -- o que lhe daria credenciais religiosas importantes -- figuras internas da oposição estão a usar a sugestão de que a liderança hereditária viria para a República Islâmica "minar ainda mais a legitimidade do Governo do 'status quo' clerical", argumentou.

Segundo Vakil, muitos duvidam que um Governo hereditário possa ser institucionalizado no sistema teocrático do Irão após a dramática revolução de 1979, que derrubou o último xá do Irão, a dinastia Pahlavi e a própria monarquia hereditária.

"Os iranianos há muito estão irritados com a ideia de que Khamenei estaria a preparar o filho como sucessor, e muitos consideram a noção de governo herdado como outra traição à revolução. Nos protestos atuais, dezenas de milhares de manifestantes expressam a raiva tanto por Khamenei quanto pelo filho em termos específicos, pessoais e obscenos sem precedentes", explicou.

"Uma consequência do fumo e dos espelhos é a estagnação política e a competição entre fações que continuam a pesar no sistema político do Irão. E, como os recentes protestos sugerem, os antigos métodos podem não ser capazes de resistir ao escrutínio contínuo e crescente dos iranianos comuns. A velocidade e audácia do último movimento de protesto e com a preocupação com a saúde de Khamenei deu lugar a pedidos públicos sem precedentes para o seu afastamento, o que chocou muitos observadores", sublinha Vakil.

Para a analista norte-americana, caso Khamenei morra enquanto o Irão é abalado por um protesto desta escala "o desafio ao sistema clerical pode tornar-se existencial".

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