"Se o 'hijab' cair, então o Governo cai", garante ex-diplomata dos EUA
A ex-diplomata norte-americana Goli Ameri disse à Lusa que tem crescido a crença de que "se o 'hijab' cair, então o Governo iraniano também cai", numa comparação entre o véu tradicional muçulmano e o Muro de Berlim.
© Getty Images
Mundo Irão
Nascida em Teerão, capital iraniana, Goli Ameri, ex-secretária de Estado adjunta para os Assuntos Educacionais e Culturais dos Estados Unidos e vice-presidente do Conselho de Administração da organização Freedom House, explicou à agência Lusa o papel da chamada polícia da moralidade iraniana, que fiscaliza a forma como as mulheres cobrem os seus cabelos, assim como se vestem.
Esta polícia da moralidade tem estado no centro dos protestos que têm abalado o Irão nas últimas semanas após a morte de uma jovem mulher curda iraniana que estava sob custódia desta força policial.
"A polícia da moralidade é composta, na sua essência, por indivíduos pagos - homens e mulheres - cujo papel é garantir que o 'hijab' [o véu tradicional muçulmano que cobre a cabeça e os ombros] e outros elementos do código do vestuário nunca sejam violados. Várias pessoas compararam o 'hijab' no Irão ao Muro de Berlim. Se o 'hijab' cair, então o Governo cai", afirmou.
"Historicamente, temos visto que as sociedades que estão a tentar impor medidas extraordinárias - por exemplo, regimes fascistas - ou que estão em convulsão, muitas vezes vão atrás dos direitos das mulheres primeiro. Muito provavelmente devido ao seu consistente estatuto de minoria ao longo da história, as mulheres estão no topo da lista de minorias a serem controladas e de bodes expiatórios", indicou a ex-diplomata com dupla nacionalidade, iraniana e norte-americana.
Em algumas sociedades, existe a crença generalizada de que sempre foi tradição em países como o Irão que as mulheres cobrissem totalmente o cabelo e o corpo. Contudo, Goli Ameri frisou que essa convicção "não poderia ser mais distante da realidade".
"O véu foi oficialmente abolido no Irão em 1936. As minhas duas avós tinham ideias diferentes sobre o véu e exerceram a sua escolha. Uma mal podia esperar para tirar o véu e a outra passou os seus 80 anos a usar o véu. Para as mulheres iranianas, assim como para as mulheres de todo o mundo, trata-se de fazer as suas próprias escolhas", sublinhou a antiga diplomata dos Estados Unidos.
Goli Ameri, que é também co-fundadora e CEO da StartItUp, uma plataforma que fornece recursos para aspirantes a empreendedores, apresentou ainda mais detalhes sobre o caminho traçado pelas mulheres no Irão nas últimas décadas e deu a sua perspetiva pessoal sobre o mesmo.
"O movimento das mulheres no Irão foi muito ativo nos anos 60. As nossas mães criaram-nos para querermos mais do que aquilo que elas receberam e, por sua vez, as mulheres da minha geração criaram as filhas para ultrapassar ainda mais as barreiras. A evolução do desejo de paridade das mulheres iranianas não parou só porque a República Islâmica chegou ao poder em 1979", contou.
De acordo com a ex-diplomata, as mulheres no Irão são de espírito aberto e são lutadoras, "não apenas porque tinham de o ser, mas porque esperam mais de si mesmas e daqueles ao seu redor".
"As mulheres constituem um número significativo de graduados universitários nos últimos anos, e a taxa de alfabetização das mulheres de 15 a 24 anos é de 98%. Elas querem ter independência para fazer as suas próprias escolhas. A remoção do 'hijab' é um símbolo de todos os outros direitos e liberdades que faltam nas suas vidas", observou.
O Irão tem sido cenário nas últimas semanas de uma vaga de protestos, desencadeados pela morte de Mahsa Amini.
A jovem curda iraniana de 22 anos foi detida pela polícia da moralidade a 13 de setembro em Teerão, por "vestir roupas inadequadas", tendo morrido três dias depois num hospital quando ainda estava sob custódia policial.
Desde então, homens e mulheres, quer no Irão, quer em várias cidades no mundo, têm-se manifestado nas ruas, cortando os cabelos em público em forma de protesto e entoando canções sobre liberdade.
Contudo, os protestos pacíficos têm sido fortemente reprimidos pela polícia local, o que já provocou a morte de mais de 150 pessoas, segundo denunciou a organização não-governamental (ONG) Human Rights Iran, com sede na Noruega.
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