"Um orçamento que só se preocupa em engordar a máquina administrativa e a dívida pública. Um orçamento que não ajuda os cabo-verdianos a enfrentarem este momento difícil, devido ao continuado e galopante aumento do custo de vida em Cabo Verde. Por tudo isso, entende o grupo parlamentar do PAICV que seguramente este não é um Orçamento do Estado que os cabo-verdianos precisam para enfrentar as enormes dificuldades esperados para o ano de 2023", afirmou o líder parlamentar, João Baptista Pereira.
Na abertura da discussão da proposta do Orçamento do Estado para 2023, cujo debate na generalidade decorre até sexta-feira na Assembleia Nacional, o líder parlamentar do maior partido da oposição sublinhou "o aumento contínuo e galopante do endividamento público", recordando que o "'stock' real" deverá atingir no próximo ano "cerca de 318 milhões de contos [318 mil milhões de escudos, 2.877 milhões de euros]", o que "retira através dos respetivos encargos, recursos públicos importantes que poderiam ser utilizados, por exemplo, na valorização dos recursos humanos".
"Para o grupo parlamentar do PAICV, é imperioso estancar o apetite e a propensão deste Governo para o endividamento. Os cabo-verdianos precisam compreender que, caso a situação de endividamento persistir, o Estado paulatinamente deixará de desempenhar de forma necessária e desejável funções elementares: educação, cuidados de saúde, proteção social e segurança. Além disso, Cabo Verde poderá também correr o risco de 'default' e, em caso de incumprimento, o país pode ficar sujeito a um programa de ajustamento estrutural. Já está a começar com o FMI [programa de assistência em curso desde julho] agora. Em última análise, significa que muitas pessoas já não verão um futuro no seu país de origem", afirmou ainda João Baptista Pereira.
O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva afirmou que o 'stock' da dívida pública cabo-verdiana estava em queda, cenário contrariado pelas consequências económicas da pandemia de covid-19, garantindo que deverá descer em 2023, e exigiu à oposição que apresente "evidências" e quais as instituições internacionais que apontaram para cenários de default de Cabo Verde.
"Declarações de altos responsáveis do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial nunca colocaram a questão de perigo de 'default'. Nunca. Não há perigo de 'default'. Cabo Verde cumpre o serviço da dívida, paga atempadamente, há concessionalidade, por isso é que nós somos elegíveis a conseguir mais empréstimos, quer a nível do Banco Mundial, quer a nível global, quer com outras instituições financeiras internacionais (...) Eu gostaria que, já agora, quem faz este tipo de intervenção que argumente. Quais são as evidências, qual é argumentação e que instituição financeira internacional considera Cabo Verde em período de 'default'", reagiu Ulisses Correia e Silva, enquanto o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, acusou a oposição de "irresponsabilidade" e de colocar o país em risco nos mercados.
"Não temos tido a sorte de dialogar neste parlamento com uma oposição responsável e engajada na resolução dos problemas do país. Com o propósito de angariar mais alguns votos, esta oposição não tem sido solidária com os cabo-verdianos, não reconhece as grandes dificuldades que nos foram impostas", reagiu também o líder da bancada parlamentar do Movimento para a Democracia (MpD, maioria desde 2016), Paulo Veiga.
Já para o PAICV, "é altamente preocupante" que o serviço da dívida pública -- juros e amortizações - para 2023, no valor de 26,2 mil milhões de escudos (237,1 milhões de euros), seja "praticamente igual ao somatório dos valores previstos para educação, saúde, habitação e desenvolvimento urbanístico e proteção social" e equivalente a "59,1% das receitas fiscais previstas para serem arrecadadas em 2023".
"O que vale dizer que mais de metade dos impostos e taxas que os cabo-verdianos pagarão em 2023 vai para o pagamento do serviço da dívida. Indiferente a tudo isso, o Governo não muda de rota, insiste no caminho do endividamento e do recurso crescente e claramente exagerado aos avales e garantias, agravando ainda mais o risco fiscal do país", insistiu o líder da bancada do PAICV.
Recordou que os cabo-verdianos "estão a passar por momentos muito difíceis" e que "o quadro desolador gerado por vários anos de seca, que causaram uma forte redução da produção agropecuária e do rendimento das famílias, particularmente no mundo rural, acompanhado da escalada de preços dos bens alimentares e energia", está "a deixar marcas profundas na sociedade e na vida das famílias".
Na sua intervenção, o deputado do PAICV questionou ainda as metas do Governo incluídas na proposta orçamental para 2023 -- inflação de 3,7% e crescimento económico de 4,8% -, tendo em conta os últimos indicadores internacionais divulgados pelo FMI.
"O que o Governo projeta para 2023 poderá ser o resultado de uma análise desajustada da realidade vivenciada neste momento e que não tenha levado em devida conta as variáveis, deste dinâmico e imprevisível contexto", disse.
Para o deputado do PAICV, "parece claro" que este orçamento "não tem condições para contrariar a tendência de crescimento generalizado" da inflação, classificando como "irrisório" o aumento entre 1 a 3,5% dos salários mais baixos da Administração Pública.
João Santos Luís, presidente da União Caboverdiana Independente e Democrático (UCID), afirmou que as previsões do executivo para 2023 "não merecem de todo a confiança" do partido, por serem "favoráveis à propaganda que o Governo pretende fazer", alertando para a "elevada" dívida pública.
"É urgente uma outra abordagem orçamental para se pôr cobro ao aumento galopante deste serviço da dívida", afirmou o deputado da UCID.
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