"Não espero nada de uma missão de observação eleitoral (MOE) que represente governos", afirmou em declarações à Lusa o líder do único partido da oposição que pôde concorrer às eleições presidenciais, legislativas -- câmaras alta e baixa do Parlamento - e municipais, Andrés Esono Ondo, secretário-geral da Convergência para a Democracia Social (CPDS).
Instado pela Lusa a comentar os resultados de uma eleição num estado-membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que irá eleger Teodoro Obiang Nguema Mbasogo como seu Presidente com uma percentagem de votos acima dos 90%, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal, Francisco André, afirmou esta semana que não tem "nenhum comentário" a fazer.
"Não tenho nenhum comentário a fazer neste momento sobre isso", afirmou o governante português em declarações à Lusa na sede da CPLP, na quinta-feira.
A CPLP enviou uma MOE de 15 observadores às eleições, que "notaram obviamente uma ou outra situação" irregular, nos termos do secretário executivo da organização, Zacarias da Costa, em declarações à Lusa, mas, "em termos gerais, não é isso que irá comprometer o ato eleitoral".
Ora para Andrés Esono Ondo, as "eleições foram totalmente irregulares, o voto foi público em toda a periferia do país, com exceção da capital, Malabo".
"No resto do país, o voto foi público e múltiplo, com muitas pessoas a votarem várias vezes; com pessoas que votaram por outras pessoas; expulsaram os nossos representantes nas mesas eleitorais; as atas do escrutínio feitas por cada colégio eleitoral foram ocultadas, não temos nenhuma cópia delas porque não quiseram dar-nos nada", acrescentou o político equato-guineense.
As MOE convidadas a deslocarem-se ao país -- da União Africana (UA), CPLP e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) - emitiram conclusões preliminares semelhantes, caucionando a votação e descrevendo o "ambiente geralmente pacífico" em que decorreram, "em conformidade com as normas internacionais e o quadro jurídico nacional que regula as eleições", de acordo com o texto lido esta semana pelo presidente da missão da UA, o antigo Presidente da Guiné-Bissau José Mário Vaz.
"A missão de observadores da UA não nos inspira nenhuma confiança. O relatório preliminar que divulgou é falso. Reuni-me com essa missão antes das eleições e nenhuma das irregularidades que participei constam no relatório", acusou Andrés Esono Ondo.
O líder da CPDS acrescentou vários exemplos para sustentar a acusação e afirmou-se "indignado" com a afirmação da missão da UA segundo a qual estas eleições foram "convocadas por consenso".
"Nós não concordámos com a convocatória eleitoral conjunta, porque a Constituição o proíbe. Dissemos isso à missão e o relatório diz que a convocatória eleitoral foi feita por consenso", afirmou Esono, acusando ainda o texto de ser omisso quanto à obstrução do acesso da oposição aos meios públicos de comunicação social, assim como de "ser falso" quanto ao "ambiente" em que decorreram as votações.
"A missão de observadores da UA é um reflexo da própria UA, que é uma união de ditadores. E quando uma união de ditadores envia uma missão de observação eleitoral, essa missão vai apoiar o ditador. É claro", acusou o líder da CPDS.
Quanto ao relatório preliminar da missão da CPLP, Esono Ondo afirmou que o texto "não diz falsidades, mas também não diz todas as verdades".
"A missão da CPLP produziu um relatório ambíguo, que também não menciona as irregularidades que aconteceram", acusou igualmente.
"Não espero nada de uma missão de observação eleitoral que represente governos", concluiu.
Uma das idiossincrasias das eleições na Guiné Equatorial impediu que os eleitores escolhessem representantes de diferentes partidos nas quatro eleições a decorrer, mas as missões internacionais de observação eleitoral ignoraram a questão, relevando o facto de terem decorrido "em conformidade com as normas internacionais e o quadro jurídico nacional que regula as eleições".
Os eleitores receberam três boletins de voto em folhas com formato A4 -- "quando não apenas um", de acordo com o líder da CPDS -, um por cada partido ou coligação concorrente onde estavam inscritos todos os candidatos de cada partido às quatro eleições a decorrer. Em seguida, deslocavam-se a uma cabine onde apenas tinham que dobrar o boletim do partido em que quisessem votar, para o entregar em seguida.
Em várias assembleias de voto, segundo o coordenador geral da Plataforma Civil Somos+, Joaquin Eló Ayeto, em declarações à Lusa, "era exigido aos eleitores que deixassem nas cabines os votos que não tinham utilizado", o que, em consequência, "denunciava" em quem tinham votado.
Esta solução - imposta pela Junta Eleitoral Nacional (JEN) do país, segundo Andrés Esono - impediu ainda uma eleição plural. Como os boletins eleitorais foram elaborados por partido e não por ato eleitoral, os eleitores que quisessem escolher para Presidente o candidato de um partido, mas para o Parlamento um partido diferente e para o município um representante de outra formação não puderam fazê-lo porque apenas podiam devolver um boletim à mesa da assembleia eleitoral.
Andrés Esono Ondo disse à Lusa que o seu partido não aceitou que os boletins de voto fossem por partido e que pediu que fossem elaborados por ato eleitoral, mas foi derrotado na JEN, que é dominada por membros "apoiantes" do Partido de Teodoro Obiang, o Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE).
"Não aceitámos, mas a JEN tem mais de 20 membros que apoiam o partido do senhor Obiang, dos quais o único voto contra é o do CPDS. Não há forma de mudar as coisas na JEN", afirmou.
"Estamos num país em que não há liberdade. Não podemos deslocar-nos pelo país, não podemos celebrar reuniões, não podemos fazer trabalho de proselitismo político, e as eleições são a única oportunidade para mobilizarmos a população e passar a nossa mensagem", acrescentou.
"Impediram todas as possibilidades de um voto livre, incluindo através do boletim de voto por partido", disse ainda Andrés Esono.
Nenhuma das MOE se referiu a esta particularidade das eleições equato-guineenses. Zacarias da Costa escusou-se a comentar a questão, que descreveu como um "aspeto técnico".
Uma observação a esta questão "não consta [do relatório da missão de observação], porque há certas observações que nós [CPLP] fazemos diretamente às autoridades, porque não há consenso entre os próprios observadores sobre algumas recomendações que possam vir [expressas no relatório]", acrescentou Zacarias da Costa.
Os observadores da CPLP "só não cobriram [a ilha de] Ano Bom, mas cobriram as partes principais do país. É natural que eles próprios discutam antes da declaração ser lida, como vão lidar com aquilo que viram, situações que acharam que não estavam em conformidade", disse.
Quanto ao que vier a ser inscrito na declaração final da missão, que deve seguir-se ao anúncio dos vencedores das eleições, "depende do consenso entre os participantes, entre os observadores, que foram nomeados pelos Estados-membros", disse ainda o diplomata timorense.
"É uma declaração que reflete a observação que fizeram no terreno e portanto nem todas as recomendações que cada um dos observadores pensa que poderá fazer serão refletidas", acrescentou o secretário executivo da CPLP.
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