Eva Kaili e a defesa do Qatar que virou escândalo de corrupção

Uma vice-presidente do Parlamento Europeu foi detida por alegadas suspeitas de corrupção e lóbi ilegal. Conheça os principais contornos que envolvem um dos maiores escândalos em Bruxelas dos últimos anos.

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Hélio Carvalho
12/12/2022 09:42 ‧ 12/12/2022 por Hélio Carvalho

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Parlamento Europeu

Com o Mundial de Futebol no Qatar perto do fim, as autoridades belgas e italianas apanharam de surpresa a União Europeia e detiveram uma vice-presidente do Parlamento Europeu (PE), por suspeitas de corrupção envolvendo o regime que tem acolhido a competição debaixo de muitas críticas.

Eva Kaili foi detida juntamente com outras seis pessoas, todas ligadas a um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro pelo Qatar, numa tentativa de lóbi do regime para melhorar a imagem do país junto das autoridades europeias.

Esta segunda-feira, a Autoridade de Combate ao Branqueamento de Capitais grega confiscou os bens (imóveis, contas bancárias, empresas) da vice-presidente e dos seus familiares mais próximos.

Vários especialistas e órgãos de comunicação social têm vincado a natureza inédita do escândalo. O diretor da Transparência Internacional disse à France24 que este é "o caso mais flagrante de alegada corrupção que o Parlamento Europeu viu em muitos anos".

Mas, afinal, o que está em causa? E quem é Eva Kaili?

Os rostos do escândalo

Na passada sexta-feira, começaram a surgir as primeiras notícias sobre as várias buscas domiciliárias e detenções feitas em Bruxelas e em Itália contra autoridades da União Europeia, avançados por meios de comunicação belgas, nomeadamente pelo jornal Le Soir e pela revista Knack.

Na base das detenções e das buscas está uma investigação a um alegado caso de corrupção, organização criminosa e branqueamento de capitais pela justiça belga. As autoridades suspeitam que o Qatar pagou quantias avultadas a pessoas em posições políticas relevantes, de modo a influenciar decisões na União Europeia.

No total, foram detidas seis pessoas. Além de Eva Kaili, foi detido também o seu companheiro, Francesco Giorgi, que é colaborador ligado ao Partido Socialista Europeu (PSE), grupo ao qual Eve Kaili pertence. Giorgi é também fundador da organização não-governamental Fight Impunity, que promove a "responsabilização como um pilar central da arquitetura da justiça internacional", segundo o site da organização.

O presidente da Fight Impunity, Pier Antonio Panzeri, também do PSE, foi detido durante a manhã. Ao final do dia, a mulher e a filha foram também detidas pela polícia italiana. Segundo um mandado de captura citado pelo POLITICO, Panzeri foi acusado de "intervir politicamente com membros do Parlamento Europeu para o benefício do Qatar e de Marrocos".

Depois foi a vez de Niccolò Figà-Talamanca, que foi detido durante a noite. Figà-Talamanca é o diretor de outra ONG, a No Peace Without Justice, que se foca em promover direitos humanos e democracia no Médio Oriente e Norte de África. A ONG tem a mesma morada que a Fight Impunity, apesar de estar oficialmente sediada em Nova Iorque e Roma. Vários membros da direção da No Peace Without Justice, incluindo o antigo primeiro-ministro francês Bernard Cazeneuve e o antigo comissário europeu para as migrações Dimitris Avramopoulos demitiram-se na sequência da detenção.

No âmbito da investigação foi ainda detido Luca Visentini, que em novembro foi nomeado secretário-geral da Confederação Sindical Internacional.

No domingo, quatro dos detidos foram formalmente acusados e colocados em prisão preventiva (incluindo Eva Kaili).

A prova de amor ao Qatar que deixou um sabor amargo na UE

A 21 de novembro, Eva Kaili subiu ao pódio do Parlamento Europeu para falar sobre os direitos laborais no Qatar. Enquanto o país estava a ser criticado por todo o mundo pela forma como tratou os trabalhadores durante as obras para o Mundial - nas quais, segundo uma investigação do The Guardian, terão morrido cerca de 6.500 trabalhadores - e pelas paupérrimas condições em que habitam os migrantes, além da opressão de pessoas LGBTQ+, Kaili deu um discurso que surpreendeu muitos.

"O Qatar é a prova de como a diplomacia do desporto pode conseguir uma transformação histórica de um país com reformas que inspiram o mundo árabe. Eu própria digo que o Qatar é líder nos direitos laborais", afirmou a política grega.

Kaili acrescentou ainda que "apesar dos desafios, que levam até as empresas europeias a negar-se a aplicar essas leis, eles [o Qatar] estão comprometidos com uma visão por opção e estão abertos ao mundo".

As palavras de uma das 14 vice-presidentes do Parlamento Europeu deixou muitos chocados. Se é verdade que muitos políticos europeus desvalorizaram as violações de direitos humanos do Qatar em prol do Mundial de Futebol (nomeadamente Marcelo Rebelo de Sousa e Olaf Scholz, chanceler da Alemanha), poucos tomaram uma atitude tão congratulatória sobre o regime.

De estrela de TV, a vice-presidente, a demitida de todas as funções

Eva Kaili, de 44 anos, começou a sua carreira como uma glamorosa apresentadora de televisão na Grécia, tornando-se numa das figuras mais reconhecidas do país. Kaili foi eleita pela primeira vez em 2007 para o parlamento grego pelo PASOK, o partido social-democrata de esquerda centrista do país, e está desde 2014 no Parlamento Europeu. Em janeiro, foi eleita vice-presidente.

A política grega é uma das representantes da União Europeia no Médio Oriente, e tem sido nessa categoria que tem elogiado muito o Qatar como um "pioneiro dos direitos humanos" na região. Enquanto o resto do Parlamento Europeu condenou as violações do país aos direitos humanos dos trabalhadores e de minorias, Kaili continuou a promover a imagem do regime que, este ano, acolhe o Mundial de Futebol.

E, depois de Ursula von der Leyen e das principais autoridades europeias terem recusado convites para ir ao Qatar assistir às cerimónias do Mundial, Kaili foi de livre vontade, apresentando-se como uma embaixadora europeia.

A investigação e a detenção acabaram por manchar a reputação de Eva Kaili. Logo após o caso surgir, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, destituiu a sua vice-presidente de todas as suas funções, incluindo a representação no Médio Oriente. O PSE suspendeu-a como eurodeputado e, na Grécia, o PASOK não esperou pelo final de sexta-feira para suspendê-la também do partido.

Segundo contou uma fonte da justiça belga à France-Presse, Eva Kaili foi detida com um "saco de ingressos" na noite de sexta-feira.

Muitos eurodeputados estão, agora, a pedir que seja revogada a imunidade parlamentar de Eva Kaili para esta ser julgada pela justiça. Uma fonte da justiça belga disse à France-Presse que a imunidade parlamentar nem se aplica já que a vice-presidente foi detida "em flagrante delito".

Leia Também: Qatar. Vice-presidente do Parlamento Europeu fica em preventiva

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