No decurso de uma audiência perante um tribunal que vai decidir sobre a sua permanência em prisão preventiva, Castillo apresentou os seus argumentos, e dirigindo-se à população acusou a nova chefe de Estado designada, Dina Boluarte, "do feroz ataque aos seus compatriotas" nos protestos dos últimos dias, que resultaram na morte de sete manifestantes e 130 feridos entre as forças policiais, segundo o balanço oficial.
"Quero dirigir-me ao país para dizer que estou injusta e arbitrariamente detido, não estou por ser ladrão, violador corrupto, nem por assassínio", assinalou no decurso da sessão, efetuada de forma virtual a partir da prisão de Lima.
Após escutar as alegações da defesa do ex-presidente, do tribunal e da procuradoria-geral, o juiz do Supremo tribunal César San Martín perguntou a Castillo se tinha "algo a acrescentar".
Em resposta, indicou que se dirigia ao país para referir estar "totalmente agradecido pela sua confiança, esforço, a sua luta e o seu envolvimento".
"Jamais renunciarei, nem abandonarei, esta causa popular que me trouxe até aqui", assegurou, numa referência ao movimento popular e indígena que contesta a elite política de Lima.
Castillo também exortou "as Forças Armadas e da polícia nacional que deponham as armas e deixem de matar o povo sedento de justiça", numa referência às manifestações e confrontos que decorrem desde o fim de semana.
O ex-presidente foi detido por guarda-costas quando se dirigia à embaixada do México para solicitar asilo político.
No final da audiência, um dos seus advogados leu uma breve carta na qual Castillo repete o apelo às forças de segurança para deporem as armas "para terminar com o desrespeito da ordem democrática e o massacre do povo".
Nesse sentido, responsabilizou a presidente empossada Dina Boluarte e o seu círculo mais próximo pelas consequências da crise política e social que agora se agravou no país andino.
"Senhora Dina, olhe para o lugar que ocupa, considero-a responsável a si e a todo o seu círculo que a acompanha pelo feroz ataque aos meus compatriotas, emito um apelo ao povo organizado que permaneça em alerta e otimista", indica o texto.
Na sua intervenção na audiência, o dirigente peruano voltou a apelar à solidariedade da população e concluiu não ter cometido "qualquer delito de conspiração nem de rebelião".
No final da sessão, o juiz San Martín indicou que irá convocar as partes para divulgar a decisão a partir das 15:30 de hoje (hora local, 20:30 em Lisboa).
Na segunda-feira, Castillo tinha já divulgado uma declaração através do Twitter onde denunciava estar "sequestrado" e acusando Boluarte de "usurpadora".
Horas antes, a procurador-geral do Peru, Patricia Benavides, apresentou perante o Congresso (parlamento), uma queixa contra Castillo e três dos seus ministros por alegada promoção de rebelião e conspiração.
A elite política e a oligarquia de Lima sempre desdenharam Castillo, um professor rural de origem indígena e dirigente sindical sem ligações às elites, sobretudo apoiado pelas regiões andinas desde as eleições presidenciais que venceu por curta margem na segunda volta contra a candidata de extrema-direita Keiko Fujimori, a filha do anterior presidente Alberto Fujimori, condenado em 2009 a 25 anos de prisão, que não cumpriu na totalidade.
Dina Boluarte, que ocupava a vice-presidência até à sua investidura na passada quarta-feira após a destituição de Castillo, anunciou inicialmente eleições gerais para 2026, mas de seguida indicou ter "compreendido a vontade dos cidadãos" e disse ter "decidido tomar a iniciativa de um acordo (...) para avançar com eleições gerais em abril de 2024", e na sequência da tentativa do chefe Estado de dissolver o parlamento, que implicou a sua detenção.
No entanto, os manifestantes continuam a exigir a dissolução do Congresso (o parlamento unicameral), eleições imediatas e uma nova Constituição.
O pedido de novas eleições, pretendidas por Castillo, além de novas eleições e uma reorganização do sistema judicial, está associado a uma rejeição massiva do parlamento pela população, cerca de 86% segundo uma sondagem divulgada em novembro.
Hoje, e segundo a polícia havia várias estradas bloqueadas, com os manifestantes a insistirem na libertação do ex-presidente, na demissão de Boluarte, na dissolução do congresso e em eleições imediatas.
Ainda hoje, os governos do México, Colômbia, Bolívia e Argentina emitiram um comunicado conjunto no qual exprimem "profunda preocupação" pela destituição e detenção de Castillo e apelaram as instituições do país para respeitarem "a vontade cidadã nas urnas".
Leia Também: Aeroporto e serviço de comboios paralisados devido a protestos no Peru