Eleições na Tunísia. Os cenários após a derrocada do poder legislativo

A abstenção signitivamente elevada nas eleições legislativas de sábado na Tunísia, que rondou os 91%, abalou a legitimidade do sistema ultrapresidencialista construído por Kais Saied há um ano e meio, indicaram hoje analistas citados pela France-Presse (AFP).

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Lusa
19/12/2022 15:45 ‧ 19/12/2022 por Lusa

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Tunísia

No entanto, os especialistas, que traçam vários cenários possíveis, asseguram que o chefe de Estado da Tunísia aparenta não estar politicamente ameaçado, uma vez que o país conta com uma oposição dividida e desacreditada.

Com os resultados finais da votação ainda por conhecer -- deverão ser conhecidos ainda hoje -- são estes os cenários avançados por analistas políticos citados pela AFP.

COMO EXPLICAR UMA TAL DERROCADA?

A taxa de participação de apenas 9% coroa uma campanha sem verdadeiro debate. Os 1.055 candidatos eram na grande maioria desconhecidos e contavam com menos de 12% de mulheres. E foram proibidos de exibir qualquer filiação política.

Quase todos os partidos, considerando-se marginalizados, boicotaram a eleição.

Ao contrário do Parlamento eleito após a revolução de 2011, a nova Assembleia de Deputados será desprovida de poderes reais.

Segundo a nova Constituição, aprovada no verão passado, o Parlamento não poderá demitir o presidente e dificilmente poderá apresentar uma moção de censura ao Governo.

A principal força da oposição, Frente de Salvação Nacional (FSN), unida em torno do movimento de inspiração islâmica Ennahdha, denunciou uma "deriva autoritária" na única democracia surgida da Primavera Árabe.

QUAL PODE SER A REAÇÃO DO PRESIDENTE?

Os resultados "representam uma deceção muito grande porque Kais Saied contava com a vontade do povo", que ele reivindica desde o golpe de 25 de julho de 2021, observou o analista político tunisino Abdellatif Hannachi.

Eleito por mais de 70% em outubro de 2019, Saied deixou o palácio presidencial, antes da votação, para inaugurar rodovias ou confortar os moradores de bairros pobres.

"[Saied] fez campanha alegando que era popular, mas os resultados não confirmam isso", disse Hannachi. 

"A legitimidade popular está a entrar em colapso", acrescentou outro analista político tunisino à AFP, Hamadi Redissi.

Opositores do FSN e do influente Partido Desturiano Livre (PDL, anti-islâmico), de Abir Moussi, estão a exigir a saída de Saied. 

Mas não há "nenhum mecanismo para forçá-lo a sair", sublinhou Redissi.

Youssef Chérif, do Columbia Global Center, não vê como alternativa nem vontade de Saied renunciar ao cargo de Presidente nem tão pouco a reconhecer o fracasso do processo eleitoral, sobretudo a pouquíssima afluência".

Mesmo depois da também baixa taxa de participação no referendo à Constituição (30,5%), Saied "recusou-se sempre a admitir a derrota", sublinhou Chérif.

O investigador do Columbia Global Center vai mesmo mais longe: "como fez tudo para restaurar o presidencialismo que existia antes de 2011, as eleições legislativas são marginais aos seus olhos".

O QUE PODE FAZER A OPOSIÇÃO?

A oposição está dividida em três blocos: o FSN, em torno do Ennahdha, os partidos de esquerda e o PDL.

Segundo os analistas, a divisão tem na base o papel do Ennahdha, uma formação maioritária no Parlamento há 10 anos que muitos tunisinos responsabilizam pelos problemas económicos e sociais do país.

As manifestações contra o "golpe de Estado" de Saied reuniram no máximo 6.000 a 7.000 pessoas e estão a tornar-se cada vez mais raras.

"A alternativa que representam não mobiliza as pessoas", defendeu Hannachi, para quem a abstenção de sábado é uma expressão de "desgosto pela classe política".

Durante a revolução de 2011 que derrubou o ditador Zine El Abidine Ben Ali, "as pessoas estavam otimistas e depois odiaram o comportamento dos partidos", acrescentou.

"Há uma distância crescente entre os cidadãos e os políticos", confirmou Youssef Chérif.

Apenas a poderosa central sindical da União Geral dos Trabalhadores Tunisinos (UGTT) é um dos poucos atores capazes de levar as pessoas às ruas, opinou Redissi, avisando que "só um colapso económico, obviamente indesejável, poderá desbloquear a situação".

A Tunísia está mergulhada numa crise económica e social, agravada pela guerra na Ucrânia, com inflação próxima de 10% e pobreza crescente.

QUAL É A POSIÇÃO DOS PAÍSES OCIDENTAIS?

Kais Saied tinha prometido aos parceiros estrangeiros "um roteiro e foi implementado", lembrou Hannachi, realçando que os Estados Unidos, até então muito críticos das reformas de Saied, qualificaram as eleições legislativas como "um primeiro passo essencial para a restauração da trajetória democrática do país".

Esse apoio externo é crucial para uma Tunísia altamente endividada, que pediu ao FMI um empréstimo de cerca de 2.000 milhões de dólares, condicionando ela mesma outras ajudas, da Europa ou dos países do Golfo.

A comunidade internacional é pragmática em relação à Tunísia, tendo em conta a situação regional e "tendo em vista os problemas de imigração e o conflito entre o bloco sino-soviético e o bloco norte-americano-europeu", considerou Redissi.

Leia Também: Oposição pede demissão de presidente da Tunísia após "fracasso eleitoral"

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