Qualquer que seja o desenlace da guerra em curso desde 24 de fevereiro na Ucrânia, Zelensky ficará para a História como uma figura icónica -- daquelas com citações em 't-shirts' - devido à resposta dada aos Estados Unidos quando estes prontamente lhe ofereceram ajuda para abandonar o país: "A luta é aqui. Preciso de munições, não de boleia".
É um carismático protagonista de mais um caso em que o real ultrapassou a ficção, não só por ser inusitado que um ator cómico que representou o papel de chefe de Estado na televisão ucraniana a partir de 2015 viesse de facto a assumir tal cargo, como que, em pleno século XXI, um país invadisse outro, originando uma guerra sem fim à vista e com ameaças de uso de armas nucleares no continente europeu.
Até agora, dos 44 milhões de habitantes da Ucrânia, a ofensiva militar russa causou já a fuga de mais de 14 milhões -- 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 7,8 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Neste momento em que se aproxima o inverno e a Rússia intensificou os bombardeamentos de infraestruturas de produção de energia, 17,7 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões necessitam de ajuda alimentar e alojamento.
Na série "O Servidor do Povo", Zelensky era um simples professor de História que se tornara Presidente por acaso, quando o vídeo de um discurso seu contra a corrupção se tornou viral na internet - uma história que cativou os ucranianos desiludidos com a política.
"O Servidor do Povo" tornou-se o nome do seu partido, e Zelensky centrou a campanha numa mensagem de limpeza da política e na promessa de levar paz ao leste do país, em cujas regiões separatistas pró-russas, Donetsk e Lugansk, no Donbass, decorria um conflito desde 2014, ano em que a Rússia também anexou a península ucraniana da Crimeia.
O Presidente russo, Vladimir Putin, colocou, com a sua invasão do país vizinho, um líder nacional improvável no centro de uma crise internacional que recorda os mais graves episódios da Guerra Fria entre o Ocidente e a União Soviética, e dizem os analistas que Zelensky, de 44 anos, nascido na cidade central de Kryvyi Rih, de pais judeus, e licenciado em Direito pela Universidade Económica Nacional de Kiev, está a comportar-se como um estadista.
Sempre envergando farda militar, todas as noites fala à nação e tem sido incansável nos apelos à comunidade internacional para ajudar a Ucrânia, dirigindo-se, por videoconferência, aos parlamentos de vários países, intervindo em reuniões de organizações internacionais.
Tem também exortado à criação de um tribunal especial para julgar os crimes de guerra russos na Ucrânia, depois de serem frequentemente encontrados, após a retirada de tropas russas de localidades ucranianas, cadáveres de civis mortos espalhados pelas ruas, com marcas de tortura e execução, empilhados, alguns carbonizados, outros em valas comuns a céu aberto.
O mais recente apelo para a criação desse tribunal especial fê-lo Zelensky a 14 de dezembro, falando por videoconferência ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, aquando da entrega oficial do Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento ao povo ucraniano.
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