Constitucional? Sánchez acata decisão que vai contra "soberania popular"
O primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sánchez, disse hoje que o Governo espanhol vai acatar a decisão do Tribunal Constitucional (TC) de parar uma votação no Senado, apesar de atentar contra "o princípio básico da soberania popular".
© PETRAS MALUKAS/AFP via Getty Images
Mundo Sánchez
"Pela primeira vez" em 44 anos de democracia em Espanha, "impedem-se os representantes legítimos, democraticamente eleitos pelos espanhóis com o seu voto, de realizarem a sua função de representação dessa vontade popular", afirmou Sánchez, numa declaração a partir da sede do Governo espanhol, em Madrid.
O primeiro-ministro realçou que este é "um facto grave" e sem precedentes também no resto da Europa, e disse entender "a indignação de muitos democratas" e "a preocupação da sociedade" perante um "choque institucional tão grave e tão inédito" na história recente espanhola e europeia e a "vulnerabilização do princípio básico da soberania popular".
Sánchez deixou "uma mensagem de serenidade" e disse a decisão do TC será acatada pelo Governo, apesar de discordar dela, por respeito pelas instituições do estado de direito.
O Tribunal Constitucional (TC) de Espanha decidiu na segunda-feira à noite impedir o debate e votação de uma iniciativa no Senado, numa decisão inédita na democracia espanhola de ingerência na atividade parlamentar.
Está aberta uma "crise institucional sem precedentes" na democracia espanhola, afirmou o presidente do Senado, Ander Gil, numa declaração após ser conhecida decisão do TC, tomada com seis votos a favor e cinco contra.
A decisão foi tomada pelos juízes do Tribunal Constitucional a pedido do Partido Popular (PP, direita, na oposição) e tem como alvo uma mudança na legislação que regula a eleição de juízes do próprio TC e do Conselho Geral do Poder Judicial.
O PP pediu, num recurso para o TC, uma medida cautelar e invocou que foram atropelados procedimentos parlamentares, por parte dos partidos no Governo (socialistas e plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos), que recorreram a mecanismos que permitiriam concretizar as mudanças legislativas em poucos dias e sem debate no Congresso e no Senado, as duas câmaras das Cortes espanholas.
Para o PP, os deputados e senadores foram impedidos de exercer os seus direitos constitucionais de participação política, ainda por cima estando em causa mudanças em leis fundamentais, relacionadas com o funcionamento de órgãos judiciais e que são o garante do cumprimento da própria Constituição.
O presidente do Senado, Ander Gil, a presidente do Congresso, Meritxell Batet, ambos do partido Socialista (PSOE) já disseram que vão acatar a decisão do TC, por respeitarem as instituições do Estado de direito, mas anunciaram que a vão contestar e sublinharam a sua gravidade.
Na declaração que fez hoje, Sánchez condenou os juízes do TC por terem decidido desta forma numa matéria que afeta a sua própria continuidade nos cargos, em alguns casos, já caducados.
O primeiro-ministro culpou o PP por esta situação, por o maior partido da oposição bloquear há quatro anos, desde que os socialistas e a Unidas Podemos governam, a substituição dos juízes do TC e do Conselho do Poder Judicial, como estabelece a Constituição, havendo vários magistrados com mandatos caducados há anos.
O "único propósito" que tem o PP é manter nos dois órgãos "uma composição anterior mais favorável à sua orientação" e "um poder que os cidadãos não validaram nas urnas", afirmou Sánchez.
O primeiro-ministro espanhol e líder do PSOE, prometeu tomar quantas medidas forem necessárias, dentro do cumprimento da Constituição, para acabar com o bloqueio na substituição de juízes e fazer assim cumprir a lei e "a vontade popular manifestada nas eleições de 2019".
O líder do PP, Alberto Nuñez Feijóo, tem agendada uma conferência de imprensa para hoje, mas na segunda-feira à noite já escreveu no Twitter que a democracia espanhola ficou "fortalecida" com a decisão do TC porque "num estado de direito, todos os poderes estão submetidos à lei".
As mudanças na eleição dos juízes do TC e do Conselho do Poder Judicial pretendiam diminuir as maiorias necessárias para as escolhas de alguns dos magistrados, depois de quatro anos sem o acordo necessário entre os partidos no Governo e o PP para substituir elementos das duas instituições.
O PP recusa fazer acordos com o PSOE por o Governo espanhol fazer pactos e negociar com partidos independentistas catalães e bascos, que querem "romper Espanha" e atentam contra a Constituição.
Perante a falta de acordo, não há no TC ou no Conselho do Poder Judicial, atualmente, juízes indicados na legislatura iniciada em 2019, em que governa a esquerda.
No Conselho do Poder Judicial e no TC mantém-se assim uma "maioria conservadora", conectada com o PP e a direita em geral.
Para contornar o bloqueio, PSOE e Unidas Podemos usaram a figura das "emendas" e da "tramitação urgente" previstas no regulamento parlamentar para fazer a alteração legislativa que ia ser votada no Senado na próxima quinta-feira e que já tinha sido aprovada pelo Congresso na semana passada, pela maioria formada pelos dois partidos no Governo e partidos nacionalistas bascos e catalães, entre outras formações.
A forma como PSOE e Unidas Podemos queriam fazer aprovar esta mudança no funcionamento de dois órgãos tão sensíveis como o TC ou o Conselho do Poder Judicial tem sido criticada por ser "um atalho" ou "um atropelo" legislativo, que impede o debate parlamentar.
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