As alterações, que haviam sido aprovadas no Congresso (a câmara baixa das Cortes, o parlamento espanhol) acabam com o crime de sedição e mudam o de peculato (desvio ou mau uso de fundos públicos), que levaram à condenação de nove dirigentes da Catalunha envolvidos na tentativa de autodeterminação da região em 2017.
Dezenas de outros catalães estão acusados destes crimes, a aguardar julgamento ou, como acontece com Puigdemont, fugidos à justiça no estrangeiro.
Aqueles que já foram julgados foram condenados a penas de prisão e à inabilitação para exercerem cargos públicos durante vários anos.
A acusação e condenação por peculato deve-se à utilização de verbas públicas para organizar o referendo sobre a autodeterminação da Catalunha, em 01 de outubro de 2017, que o Tribunal Constitucional havia dito ser ilegal.
Com as mudanças no Código Penal hoje ratificadas, todos os já condenados ou acusados podem ver reduzidas as penas que lhes foram aplicadas ou vierem a ser aplicadas, permitindo, por exemplo, o regresso à vida política em breve, como candidaturas em próximas eleições regionais.
Com o fim do crime de sedição, aos independentistas seria aplicado, segundo os juristas e o Governo espanhol, o crime de "desordens públicas agravadas".
Se a sedição previa penas de prisão de até 15 anos, o de "desordens públicas agravadas" estabelece um máximo de cinco anos, aligeirando ainda as condenações relativas à proibição de exercício de cargos públicos.
No caso do peculato, a lei espanhola passa a distinguir entre desvio de dinheiro público para benefício pessoal e para outros fins, sendo que seria neste última tipologia, com penas mais leves, que se enquadraria o caso dos independentistas.
As penas aplicáveis a peculato sem enriquecimento pessoal são de entre um e quatro anos de prisão e entre dois e seis anos de impedimento de exercício de um cargo público. No Código Penal ainda em vigor, as penas mínimas são de seis anos e as máximas podem chegar aos 20 anos, nos dois casos.
Nenhum dos nove julgados estão já na prisão, porque o Governo espanhol, liderado pelo socialista Pedro Sánchez, lhes concedeu indultos em 2019.
Sem uma maioria absoluta de apoio no parlamento nacional, Sánchez tem contado com os independentistas catalães (e também com os bascos, além de outras formações mais pequenas) para aprovar leis como o Orçamento do Estado e estas mudanças no Código Penal ratificadas hoje pelo Senado.
O próprio Sánchez reconheceu que esta é uma reforma "arriscada" do Código Penal, mas acrescentou ser o único caminho para acabar com a crispação na Catalunha e desjudicializar o conflito político.
Sánchez tem defendido que este caminho tem tido bons resultados e que, desde que tomou posse, em 2018, o independentismo catalão está dividido, há diálogo entre as instituições nacionais e regionais e deixou de haver no executivo catalão a defesa e um projeto de autodeterminação unilateral da Catalunha.
O Governo espanhol (uma coligação de socialistas e da plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos) tem sublinhado também que está em causa um alinhamento da legislação com a de outros países e destaca que a tipificação da sedição no Código Penal tem sido o argumento usado pela Bélgica ou a Alemanha para não extraditarem Puigdemont.
Já a direita acusa os socialistas de negociarem com "delinquentes" as suas próprias penas só em troca de garantirem "a cadeira do poder".
A direita acusa ainda os socialistas de terem atropelado procedimentos parlamentares para introduzirem estas mudanças na lei em poucos dias, quase sem debate e impedindo pareceres ou audições, e alerta que vários condenados por corrupção em Espanha poderão ver as penas diminuídas quando o novo Código Penal entrar em vigor.
Os partidos no Governo e aqueles que lhe dão apoio parlamentar (que formam uma maioria absoluta no Congresso e no Senado) tinham 'colado' a esta alteração no Código Penal "emendas" às leis orgânicas do Tribunal Constitucional (TC) e do Conselho Geral do Poder Judicial, para alterar a forma de eleição dos juízes para os dois órgãos, recorrendo a um mecanismo previsto no regimento das Cortes espanholas usado com frequência, embora seja considerado um "atropelo" às regras.
A pedido do Partido Popular (PP, direita), o TC decidiu esta semana tomar medidas cautelares e impediu a votação hoje dessas emendas no Senado, numa decisão inédita na democracia espanhola de ingerência no poder legislativo.
A decisão do plenário do TC abriu uma "crise institucional sem precedentes" em Espanha em 44 anos de democracia, como afirmou o presidente do Senado, Ander Gil (PSOE).
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