Espanha arranca ano eleitoral com maior crise da coligação no Governo
Espanha prepara-se para eleições municipais, regionais e nacionais este ano com a coligação no Governo a viver a maior crise da legislatura, por causa de uma das suas bandeiras, a lei que mudou os crimes de violação.
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Mundo Espanha
Conhecida como "lei do só sim é sim" e em vigor desde outubro passado, esta legislação é o motivo de Espanha estar a assistir àquela que politólogos e jornalistas que acompanham a política no país consideram ser a maior crise até agora da coligação no Governo (socialistas e extrema-esquerda da Unidas Podemos).
Mais de 500 homens condenados por violação viram as suas penas diminuídas, com alguns a terem mesmo sido libertados, ao abrigo da nova lei, num efeito contrário ao pretendido pela legislação.
Juristas e magistrados explicam que ao acabar com a distinção entre abuso sexual (menos grave) e agressão sexual, passando a haver no Código Penal espanhol apenas este último, aumentou-se também, automaticamente, a amplitude das penas de prisão aplicadas.
Assim, homens anteriormente condenados à pena mínima definida para a agressão sexual viram agora aligeirada a condenação.
Os juízes dizem que estão a aplicar a lei, como estão obrigados, respondendo a recursos de advogados e cumprindo o princípio de que quando há mudanças no Código Penal deve aplicar-se a norma mais favorável ao condenado.
Apesar de cerca de 520 penas terem sido diminuídas até agora, a maioria dos juízes não acedeu ao pedido de revisão, segundo dados que divulgados pelos meios de comunicação social, que revelam que só uma em quatro solicitações tem resposta favorável.
No entanto, a redução de penas de violadores é um dos temas que mais domina a atenção mediática em Espanha desde há semanas e, nos últimos dias, também a fissura que abriu na coligação no Governo, com as duas alas do executivo a enfrentarem-se publicamente.
O primeiro-ministro, Pedro Sánchez, assumiu na semana passada ser necessário corrigir "aspetos técnicos" na lei, para responder "com palavras e também atos" ao "alarme social", justificando assim que o Partido Socialista (PSOE, que lidera) tenha avançado no parlamento com uma proposta de revisão da legislação à revelia do sócio do Governo, a Unidas Podemos, por falta de acordo entre as duas partes.
A divisão no seio do Governo tornou-se então pública e assumida, com as ministras da Justiça (Pilar Llop, do PSOE) e a da Igualdade (Irene Montero, do Podemos e a cara da lei) a trocaram acusações em público e a reconhecerem que estavam há meses a tentar chegar a um acordo para a revisão do texto, que não conseguiram encontrar, tendo por isso os socialistas decidido passar para os grupos parlamentares a tentativa de um entendimento.
O que divide a coligação no Governo não é uma questão técnica, mas política, segundo o Podemos, cujos dirigentes, incluindo uma secretária de Estado e uma ministra, já chegaram a acusar os socialistas, publicamente, de serem uma "força conservadora".
A "lei de garantia integral da liberdade sexual" (ou "só sim é sim") pretendeu que o consentimento fosse o que define se houve ou não uma agressão sexual, e não se existiu intimidação ou violência ou se houve resistência por parte da vítima.
A proposta da ministra da Justiça, que o PSOE levou agora ao parlamento, é que, sem deixar de ter o consentimento como eixo fundamental, se introduza a violência e intimidação como agravante e assim se garanta que os juízes aplicarão penas mais graves.
Para a ministra da Igualdade e o partido Podemos, isso contraria precisamente o objetivo da lei e é um regresso, na prática, ao Código Penal anterior.
Para os penalistas, "a discussão é irreal, tendendo a surreal", como escreveu há poucos dias num artigo de opinião no jornal El Pais o catedrático em Direito Penal da Universidade Autónoma de Madrid Manuel Cancio Meliá, que explicou, seguindo o que têm dito a generalidades dos juristas, que não existe neste momento uma diferença grande ou insuperável entre as duas partes e que alterar a lei agora não terá qualquer efeito na revisão de penas, porque os tribunais aplicarão sempre a versão mais benéfica para o condenado.
"O combate deve ter outras razões", concluiu Manuel Cancio Meliá.
Para os politólogos e outros analistas, as razões deste combate estão no ano eleitoral que acaba de arrancar em Espanha, com eleições regionais e municipais em 28 de maio e legislativas nacionais em novembro ou dezembro.
Os efeitos da "lei do só sim é sim", tanto jurídicos como políticos, têm ofuscado anúncios como o aumento de 8% do salário mínimo em Espanha, de que o país fechou 2022 com a inflação mais baixa da zona euro ou de que a economia espanhola cresceu 5,5% no ano passado, mais do que o esperado.
As análises coincidem em que o Podemos (o maior partido da plataforma Unidas Podemos) quer com esta estratégia diferenciar-se dos socialistas perante o seu eleitorado e evitar o perigo de as suas conquistas no Governo virem a ser capitalizadas pelo PSOE nos votos.
A oposição não tem deixado de colocar o foco do debate político na divisão da coligação e as sondagens revelam que o PSOE é neste momento o segundo partido nas intenções de voto, atrás do Partido Popular (PP, direita).
Numa coisa, porém, estão de acordo socialistas e Unidas Podemos: tanto Sánchez como as líderes da Unidas Podemos têm afirmado e reafirmado insistentemente que a coligação no Governo, a primeira na história da democracia espanhola, não está em perigo e vai mesmo chegar ao fim da legislatura, num ano em que além de eleições, Espanha tem de assumir a presidência do Conselho da União Europeia (UE) no segundo semestre.
Sánchez lembrou na semana passada que a coligação já tem no currículo "quase 200 leis e três orçamentos gerais do Estado, num contexto tão adverso e tão complexo" como o da pandemia de covid-19 ou da guerra na Ucrânia, e reiterou a confiança em todos os seus ministros, "incluindo a ministra da Igualdade", Irene Montero, do Podemos.
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