"Penso que lhes foi dada muita desinformação [às Nações Unidas] sobre o sistema [judicial] em Hong Kong. (...) Até os próprios juízes (...) dizem que o sistema está a funcionar muito bem, que não têm existido interferências no sistema judicial, que está a funcionar de forma independente e que os juízes são nomeados de forma independente (...)", garantiu Grenville Cross, em resposta a uma pergunta da Lusa, à margem de uma conferência em Macau.
"Não têm existido situações em que os juízes se tenham sentido pressionados ou interferências. O sistema judicial tem funcionado extremamente bem e infelizmente tem sido dada à ONU uma perceção errada por pessoas que são hostis à China sobre como o sistema está a funcionar", acrescentou o analista de justiça criminal e diretor do Ministério Público de Hong Kong de 1997 a 2009.
Grenville lembrou que "dois juízes demitiram-se do tribunal de última instância no ano passado", mas que "outros seis juízes britânicos, três australianos e um canadiano, todos eles recusaram sair porque sabiam, por experiência própria, o quão bem o sistema estava a funcionar".
Ou seja, concluiu: "ou esta mensagem não está a chegar à ONU ou está a ser deliberadamente ignorada".
Em março de 2022, dois juízes do tribunal de última instância de Hong Kong demitiram-se, justificando a decisão pela ameaça que constituía a imposição da lei da segurança nacional aos direitos e liberdades.
"Os juízes do tribunal de última instância não podem continuar a ocupar os cargos em Hong Kong sem parecer apoiar um Governo que se desviou dos valores da liberdade política e da liberdade de expressão", declarou o presidente do tribunal, Robert Reed, ao anunciar a sua saída e a do vice-presidente, Patrick Hodge.
Esta semana, a ONU afirmou estar preocupada com as informações de que a lei da segurança nacional imposta por Pequim a Hong Kong "aboliu de facto a independência do poder judicial" na região administrativa especial chinesa.
As observações finais das Nações Unidas constam de um relatório do Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU divulgado segunda-feira, no qual se analisou o cumprimento do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais na China, que inclui Hong Kong e Macau.
"O comité está preocupado com relatos de detenções e julgamentos sem garantias processuais de agentes da sociedade civil, jornalistas, defensores dos direitos humanos, advogados que trabalham no domínio dos direitos humanos (...) e outros que trabalham na defesa dos direitos económicos, sociais e culturais, particularmente no contexto dos protestos de 2019-2020", pode ler-se no relatório.
Para a ONU, há uma preocupação particular com "as informações sobre falta de transparência relativa às detenções e julgamentos, e falta de acesso dos advogados durante os processos judiciais".
No dia seguinte, o Governo de Hong Kong afirmou que a conclusão e as recomendações das Nações Unidas "são não só infundadas, mas desconcertantes" e que a Lei da segurança Nacional "não irá minar o poder judicial independente", que "continua a ser protegido pela Lei Básica", a miniconstituição do território.
O Governo fez questão de reforçar, ainda a propósito da Lei da segurança Nacional, que o comité "fez vista grossa ao facto de os direitos e liberdades fundamentais dos residentes de Hong Kong já terem sido garantidos a nível constitucional pela Lei Básica".
E que "a Lei de Segurança Nacional não afeta o exercício legítimo da liberdade de expressão pelos residentes (...), incluindo a crítica às políticas governamentais ou políticas e decisões tomadas pelos funcionários, bem como a publicação de conteúdo satírico através de diferentes tipos de meios de comunicação social".
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