O TPI acusa Putin de ser "responsável pelos crimes de guerra de deportação ilegal de população (crianças) e transferência ilegal de população (crianças) de áreas ocupadas da Ucrânia para a Federação Russa".
Foi emitido também um mandado para a detenção de Maria Alekseyevna Lvova-Belova, comissária para os Direitos da Criança no Gabinete do Presidente da Federação Russa por acusações semelhantes.
Eis alguns pontos essenciais sobre este processo.
Milhares de crianças ucranianas levadas para a Rússia
Um relatório sobre o Programa Sistemático da Rússia para a Reeducação e Adoção de Crianças da Ucrânia, lançado, em fevereiro, pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária da Escola de Saúde Pública de Yale (HRL), estima em mais de seis mil os menores ucranianos colocados em 43 campos de reeducação ou orfanatos russos após a invasão da Ucrânia pela Rússia a 24 de fevereiro de 2022. O relatório admite que o número pode ser bastante maior.
A organização Human Rigths Watch (HRW) estima, num outro relatório, que milhares de crianças ucranianas que viviam em orfanatos foram transferidas à força para a Rússia ou para territórios ocupados.
Reeducação pró-Rússia e treino militar
A transferência de crianças ucranianas para a Rússia visa incutir-lhe uma visão pró-Moscovo, de acordo com o estudo da HRL, que afirma ter provas de que a maioria dos campos está envolvida "em esforços de reeducação pró-Rússia" e que alguns submeteram inclusive as crianças a treino militar, numa operação que terá sido coordenada centralmente por Moscovo.
Alguns dos centros são acampamentos de verão pré-existentes localizados junto ao Mar Negro, na Crimeia anexada e na Rússia continental, incluindo Moscovo, onze dos quais a mais de 800 quilómetros da fronteira da Ucrânia, dois na Sibéria, e um no extremo oriente do país.
Em pelo menos 32 (78%) campos são usados "esforços sistemáticos de reeducação que expõem crianças da Ucrânia a atividades académicas, patrióticas e culturais centradas na Rússia e/ou educação militar", com vista a integrá-las na visão do Governo russo.
Adoções forçadas e coação aos pais
A Yale HRL identificou pelo menos dois campos que abrigavam crianças supostamente órfãs e que mais tarde foram colocadas em famílias adotivas na Rússia. Vinte crianças foram entregues a famílias na província de Moscovo e matriculadas em escolas locais.
Há relatos de coação dos pais para que as crianças sejam transferidas, incluindo assinaturas por procuração, bem como alegações de violação de prazos de permanência nos campos e dos procedimentos para o reencontro com os filhos. O retorno de crianças de pelo menos quatro campos foi suspenso ou estão detidas após a data prevista, com relatos de pais de que não conseguiram obter informações sobre o estado ou o paradeiro dos seus filhos.
Crianças ucranianas usadas em propaganda russa
Além da transferência e da criação de centros de reeducação, as crianças ucranianas começam a fazer parte também da propaganda russa, segundo a HRL.
Num comício recente para celebrar o exército, num estádio em Moscovo, uma criança ucraniana de 13 anos, que vivia em Mariupol, cidade tomada pelas tropas da Rússia há cerca de um ano, surgiu em lágrimas em palco, agradecendo ter sido salva pelas forças ocupantes.
A estação CNN Internacional procurou saber mais sobre a história de Anna Naumenko - ou, simplesmente, Anya - que perdeu a mãe no cerco de Mariupol, falando com uma amiga, com a qual partilhou refúgio num abrigo subterrâneo durante três meses e que questiona as condições de segurança em que ela estará viver, depois de ter sido entregue a uma família de acolhimento, e sugerindo que foi vítima de coação.
Um crime de guerra
A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch apresentou casos documentados de transferências forçadas de crianças de instituições ucranianas para a Rússia ou para territórios ocupados por Moscovo e denunciou o que classificou como "um crime de guerra".
Com base em dados do Governo ucraniano, a organização concluiu que 100 instituições que abrigavam mais de 32.000 crianças antes de 2022 estão agora em regiões sob ocupação parcial ou total da Rússia ou que Moscovo declarou anexadas.
"Pelo menos vários milhares de crianças foram transferidas à força para territórios ocupados ou para a Rússia", avançou a HRW, lembrando que o parlamento russo adotou, em maio de 2022, legislação que permite que as autoridades concedam nacionalidade russa a crianças ucranianas, facilitando a sua guarda e adoção por famílias na Rússia.
Pelo menos uma página de internet russa para adoções apresenta crianças de regiões ucranianas, sendo que autoridades russas admitiram que centenas de crianças ucranianas foram adotadas.
Adoções internacionais proibidas durante conflitos armados
A HRW alertou que estes processos de adoção estão a acontecer "apesar de as normas internacionais proibirem a adoção internacional durante conflitos armados" e apelou para que a Rússia conceda acesso às Nações Unidas e a outras agências independentes para que se identifiquem essas crianças, se monitorize o seu bem-estar e se facilite o seu regresso à Ucrânia.
A Ucrânia tinha, antes da invasão da Rússia, o maior número de crianças em instituições na Europa, ultrapassando, de acordo com dados do Governo, os 105.000 menores.
A agência das Nações Unidas dedicada à infância, a Unicef, acrescentou que quase metade eram crianças com deficiências.
Institucionalizadas devido à pobreza
Mais de 09 em cada 10 destas crianças que estavam em instituições da Ucrânia têm pais com direitos plenos, refere a HRW, explicando que estas crianças foram institucionalizadas devido à pobreza das suas famílias.
A HRW defende, por isso, que a Ucrânia deve, com o apoio internacional, mapear urgentemente o paradeiro de todas as crianças de instituições e garantir o seu bem-estar.
Embora a maioria das crianças em instituições tenha sido enviada para casa e para as suas famílias quando os ataques russos na Ucrânia começaram, "milhares foram levadas para outras instituições e outras tantas estão em paradeiro desconhecido", segundo a HRW.
Leia Também: TPI emite mandado de captura contra Vladimir Putin por crimes de guerra