Kayishema, 62 anos, que até à sua detenção, na quarta-feira, era um dos últimos quatro fugitivos procurados pelo seu papel no genocídio de 800.000 ruandeses, na sua maioria tutsis, por extremistas hutus, apresentou-se impassível no banco dos réus, segurando um livro de orações.
O homem, corpulento, calvo e de óculos finos e ladeado por agentes armados com coletes à prova de bala, admitiu que era ele um dos procurados pela justiça internacional. Mestre em assumir identidades falsas, segundo os investigadores, usava recentemente o nome de Donatien Nibashumba.
Ainda não se sabe ao certo o que andou a fazer durante todos estes anos nem como escapou à justiça. Mas, de acordo com o Ministério Público sul-africano, constituiu família e pediu asilo em 2000, depois o estatuto de refugiado em 2004, ainda sob um nome falso.
Finalmente desmascarado e visto numa quinta em Paarl, a cerca de 60 quilómetros da Cidade do Cabo, foi detido com a ajuda da Interpol, anunciaram os procuradores das Nações Unidas na quinta-feira.
"Uma mensagem poderosa que mostra que os suspeitos de cometerem tais crimes não podem escapar à justiça", afirmou o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric.
Kayishema foi objeto de um mandado de captura emitido pelo Mecanismo Internacional (MICT), responsável desde 2015 pela conclusão do trabalho do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (ICTR), criado pela ONU após o genocídio.
Para encobrir o seu rasto, terá contado com a ajuda de familiares e membros das antigas Forças Armadas Ruandesas e das Forças Democráticas de Libertação do Ruanda, bem como de pessoas que aderiram à ideologia genocida do poder hutu.
O acusado foi colocado em prisão preventiva num estabelecimento prisional de alta segurança na Cidade do Cabo antes de uma nova audiência marcada para a 2 de junho. A questão da sua extradição não foi levantada durante a sua breve comparência perante o Tribunal na África do Sul.
Mas, de acordo com o Ministério da Justiça contactado pela agência de notícias francesa AFP, o arguido deverá ser extraditado sem demora para ser julgado por um tribunal internacional, em Haia ou em Arusha, na Tanzânia.
Fulgence Kayishema foi inspetor da polícia judiciária durante o genocídio no Ruanda e "um dos fugitivos mais procurados do mundo" pela prática daquele crime, segundo a justiça internacional.
Participou "diretamente no planeamento e na execução" do massacre de mais de 2.000 refugiados tutsis na igreja de Nyange, na comuna de Kivumu (nordeste), "nomeadamente através da aquisição e distribuição de gasolina para incendiar a igreja com os refugiados lá dentro", segundo os procuradores da ONU.
"Quando isso falhou, Kayishema e outros utilizaram um bulldozer para fazer desmoronar a igreja, enterrando e matando os refugiados que se encontravam no seu interior", relataram os procuradores.
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