"A principal vantagem deste novo sistema é a proteção nos 17 Estados-membros ser um processo com muito poucas formalidades (no sistema clássico deve ser validada em cada um dos Estados-membros em separado) e, por esta razão, menos oneroso para as empresas", afirma, em declarações à Lusa, João Pereira da Cruz.
"Igualmente, para a sua manutenção, apenas será devido o pagamento de uma anuidade em vez de 17 anuidades em cada uma das 17 jurisdições", apontou o mandatário europeu das patentes e sócio-administrador da J. Pereira da Cruz.
A Patente Europeia com Efeito Unitário (PU) é uma patente europeia clássica "para a qual o seu titular poderá requerer no Instituto Europeu de Patentes (IEP)" que a mesma que obteve passe a ter "carácter unitário".
Ou seja, "deve primeiramente obter-se uma Patente Europeia e, após a concessão desse direito, a pedido, o IEP transforma-a numa PU", explica o responsável.
Esta patente será "imediatamente válida" para os 17 países que ratificaram o Acordo sobre o Tribunal Unificado de Patentes.
"Os estudos e negociações que levaram ao cálculo das taxas a aplicar fazem com que o sistema da PU seja economicamente interessante se o seu titular pensar explorar o invento em mais de quatro países", explica João Pereira da Cruz.
Em média, segundo o mandatário europeu de patentes, "uma patente europeia clássica é validada em três/quatro países".
Para os países que não aderiram ao Acordo sobre o Tribunal Unificado de Patentes, "é necessário continuar a validar localmente a Patente Europeia".
No entanto, "o grande inconveniente são as custas judiciais muito altas dos processos no Tribunal Unificado de Patentes (TUP) que são da ordem dos 11.000 euros em 1.ª instância, de outros 11.000 euros na 2.ª instância e de 20.000 em processos de invalidação, para além da deslocalização para um dos tribunais centrais sempre que não for possível o processo ser julgado no Tribunal Geral de Lisboa", refere.
Esta deslocalização "significará custos de viagens e hotéis, advogados estrangeiros e o processo decorrer fatalmente numa língua oficial do IEP, designadamente alemão, francês ou inglês", o que se torna "um custo inacessível à maioria das pequenas e médias empresas portuguesas".
E acrescenta: "Há quem diga que é um desafio, eu diria, que poderá ser catastrófico para as PME portuguesas".
Até à data, nem a Croácia, Polónia e Espanha aderiram ao sistema da Patente Unitária e "há rumores muito fortes que a Hungria também não poderá aderir, dado as questões de inconstitucionalidade que o diploma levanta no país", conta.
No ano passado, "protegeram-se em Portugal cerca de 3.800 patentes provenientes do estrangeiro", sendo que "se no limite todas as patentes europeias se transformarem em PU, passam a ser mais de 90.000 cada ano", o que "significa que o estado da técnica ficaria totalmente fechado para as empresas portuguesas".
Neste caso, adianta, os empresários portugueses "para terem acesso às novas tecnologias ou teriam que pagar 'royalties' aos proprietários das patentes ou muito pior infringiriam as mesmas, ficando eventualmente sujeitos a serem condenados no TUP, com todos os custos inerentes a uma ação deste tipo", refere.
Já "as empresas espanholas vão poder usar as últimas tecnologias não protegidas por patentes em Espanha e isso vai dar-lhes uma vantagem competitiva muito grande", considera, quando questionado sobre o impacto para Portugal do país vizinho não ter aderido ao sistema da Patente Unitária.
Os mercados, sublinha o mandatário europeu de patentes, "estão sempre ávidos de novos produtos e mais baratos e as empresas espanholas poderiam colocar os seus produtos em Portugal a preços que as empresas nacionais não conseguiriam igualar".
A propriedade industrial "é um dos mais potentes motores da economia de um país", sendo que é habitual "aferir o desenvolvimento económico de um país" por isso.
"A patente dá um direito exclusivo ao seu titular, durante um período de 20 anos e, portanto, a possibilidade de comercializar ou licenciar um novo produto ou um novo processo de o obter com enormes vantagens".
A Patente Unitária "é a transformação de uma Patente Europeia Clássica, num direito unitário em 17 países, que são a Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslovénia e Suécia", sendo que para estes países "há a vantagem de não serem necessários custos individualizados de proteção".
As empresas portuguesas que utilizam o sistema de Propriedade Industrial empregaram "31% de população ativa entre 2017 e 2019", diz, apontando que, "a fazer fé nestes dados que são públicos, estas empresas geraram 43,6% do PIB nacional nesse espaço de tempo".
Em 2022, adianta, "foram depositados em Munique no Instituto Europeu de Patentes 312 novos pedidos europeus de origem portuguesa que correspondem a 0,16% de todos os pedidos de patentes europeias".
Trata-se de "um aumento significativo em percentagem, mas muito baixo em valor absoluto", considera,
"O aumento de proteção das invenções nos países mais desenvolvidos foi de cerca de 10%. No entanto, são 10% que correspondem a milhares e milhares de pedidos de patentes, dado o valor de partida ser muito alto", refere João Pereira da Cruz.
"Para dar uma noção mais concreta, os pedidos de patentes europeus de origem nos EUA ultrapassaram os 26% de 190.000 pedidos anuais", salienta, considerando que "ainda há muita a fazer no domínio da sensibilização, divulgação e promoção dos sistemas de Propriedade Industrial".
O investimento em ciência em 2021, "segundo os últimos dados que tenho disponível, foi de 1.69% do PIB. A média europeia no mesmo período ronda os 2,3% estamos, portanto, bastante longe da média e segundo Carlos Fiolhais, um dos cientistas e divulgadores de ciência mais conhecidos em Portugal, a última década foi um tempo perdido para a ciência em Portugal", prossegue.
Sobre o impacto do sistema da PU, João Pereira da Cruz diz que "não é fácil prever", pelo que é preciso ver como corre a segunda metade deste ano e 2024.
"À partida, no entanto, há um indicador que não é muito animador. Até à data, as empresas titulares de patentes europeias pediram ao Tribunal Unificado de Patentes que 50% dos seus direitos não fiquem sob a alçada desse Tribunal, o que demonstra a desconfiança que atualmente aparentam ter no sistema", conclui.
Leia Também: Startup lusa recebe patentes para proteção de dados de saúde