"Biden não está numa posição tão forte como deveria estar", afirmou o professor Thomas Holyoke, do departamento de ciência política da Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno. "Não tem conseguido que as pessoas se apercebam de que as coisas estão bastante boas nos Estados Unidos, em muitos aspetos, e ele de facto cumpriu muitas das suas promessas", considerou.
O analista disse que, em parte, a dificuldade de Biden em ser creditado pela obra feita é do próprio, por não ser tão visível quanto poderia nem reagir com força aos "ataques implacáveis" dos republicanos.
"Ele está fraco numa situação que é relativamente boa", disse Holyoke. "À parte da inflação, que está a melhorar, todos os outros indicadores económicos são bons, o desemprego está a manter-se muito baixo. Biden tem de insistir nisso", advogou.
A cientista política luso-americana Daniela Melo, professora na Universidade de Boston, também aponta para o problema de comunicação do presidente, que o faz chegar à campanha numa posição enfraquecida.
"Há muito tempo que não tínhamos um presidente que conseguisse passar o nível de pacotes que ele conseguiu, com o potencial impacto que aquela legislação vai ter, e ao mesmo tempo vemos que o público não tem perceção do seu impacto nem da dificuldade de passar legislação com margens tão pequenas no Congresso", analisou.
"Estes primeiros eventos de campanha vão começar a ilustrar essa narrativa, de que tem sido um dos presidentes mais eficaz em décadas", previu.
Os dois especialistas acreditam que o comício na Pensilvânia, um estado considerado decisivo para as presidenciais de 2024, vai servir para desfilar essas conquistas legislativas dos últimos dois anos.
"Biden vai focar-se em muitas das coisas que prometeu que faria no primeiro mandato e de que pode legitimamente ter crédito", disse Thomas Holyoke, referindo o grande pacote legislativo para as infraestruturas e vários acordos bipartidários, incluindo o recente acordo para levantar o teto da dívida.
"Vai enfatizar o que fez para manter a economia americana forte e o desemprego baixo", antecipou, mencionando que também terá de abordar a questão da inflação, que "é a grande arma" contra ele.
Mas Daniela Melo sublinhou que o discurso não pode ser apenas virado para o passado. "Tem também de se focar no que vem a seguir", referiu, sublinhando que enumerar vitórias não é uma estratégia forte para mobilizar o voto.
Isto porque se espera que as margens voltem a ser muito renhidas e os democratas precisam de uma participação eleitoral forte para voltarem a ganhar, especialmente em estados cruciais como a Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Geórgia e Arizona.
"Se as pessoas ficam em casa, a eleição está perdida do lado democrata", frisou Daniela Melo. Numa altura em que o eleitorado não se mostra muito entusiasmado nem com Joe Biden nem com Donald Trump, a mobilização será um desafio.
No entanto, referiu a professora, ainda é cedo para perceber quais os contornos da estratégia de campanha.
Donald Trump domina nas sondagens provisórias para a nomeação republicana mas está confrontado com sérias acusações em tribunal. O caso mais grave foi conhecido na semana passada e acusa Trump de 37 crimes relacionados com a remoção e retenção de documentos altamente classificados, bem como obstrução à Justiça na tentativa de os manter.
Este é um processo de que Joe Biden não deverá falar, seguindo a escusa em comentar que manteve até agora.
"Ficarei chocado se ele mencionar alguma coisa sobre Trump ou sobre o processo", disse Holyoke, referindo que a estratégia republicana é tentar ligar as ações do Departamento de Justiça a Biden.
"Não há nada a ganhar e muito a perder em falar sobre o processo neste momento", disse. "Ele não quer dar aos republicanos qualquer arma para sugerirem que esta é uma acusação política comandada a partir da Casa Branca".
Daniela Melo tem uma visão similar: "Biden tem que ser muito cuidadoso. Não o beneficia de maneira nenhuma falar publicamente sobre o caso", afirmou. "A única coisa que disse e que pode dizer é assegurar o público americano que não há conivência e na verdade é o contrário, que Merrick Garland tem independência total da Casa Branca". A politóloga também frisou que o presidente não tem muita escolha, visto que ele próprio tem um procurador especial a investigar a retenção imprópria de documentos classificados.
Embora não espere que a campanha de Biden aqueça antes de 2024, a professora considera que o presidente e os democratas estão a contar com um embate contra Donald Trump.
"Neste momento é bastante evidente que Biden precisa de Trump", referiu, "para se sentir seguro de que vai ganhar a próxima eleição".
A escolha de uma nova gestora de campanha, Julie Chávez Rodríguez, reflete a necessidade de galvanizar uma parte importante do eleitorado, tratando-se da neta de um dos maiores ícones do movimento dos direitos civis e da sindicalização no país, César Chávez.
"Vejo isso como uma mensagem para os sindicatos, para os latinos e para as camadas mais jovens", disse Melo, considerando que é uma "escolha sagaz".
A professora também referiu que a campanha do presidente deverá seguir a sabedoria da ciência política tradicional, que em reeleições defende a "Estratégia do Jardim das Rosas", uma referência ao jardim na Casa Branca.
"Ou seja, durante a campanha de reeleição o que o presidente deve fazer é ser presidencial", descreveu a politóloga. "Aparecer o mais possível como o presidente enquanto os outros lutam e fazer discursos no Jardim das Rosas, para solidificar a ideia de estabilidade".
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